Editorial: Cultura e reflexão

Não faltou quem pusesse em discussão o conceito de “essencial” e quais os critérios para que esta ou aquela atividade coubesse na categoria, tal qual foi adotado nos primeiros tempos de pandemia para justificar a abertura de uns serviços e de outros não. O exercício de reflexão é sempre proveitoso, mas a situação era demasiado grave e não se poderia, de forma responsável, enveredar por um tipo de relativismo que ignorasse o caráter de exceção do momento e do que, num espaço limitado de tempo, se impunha como indispensável para garantir a segurança sanitária das pessoas. É necessário lembrar que hoje se conhece mais da doença do que há seis meses, de forma que nenhum zelo poderia então ser considerado excessivo. 

Contudo, era imprescindível que, tão logo quando possível, outras atividades voltassem a ser possíveis de forma presencial, ainda que adaptadas às novas condições sanitária. O período mais duro, de isolamento mais rigoroso, cobrou seu preço emocional. Sem outra alternativa, o período marcado pela ansiedade e pela incerteza teve que ser atravessado, cada um encontrando dentro de si os recursos e a força necessária. O que ficava claro era que fazia falta justamente o que era considerado não-essencial.

Passado, por ora, o momento mais difícil da crise, a sociedade cearense já vivencia uma nova dinâmica, condicionada pelas regras da fase 4 do Plano de Retomada Responsável das Atividades Econômicas e Comportamentais do Estado do Ceará foi elaborado pelo Grupo de Trabalho Estratégico, envolvendo o Poder Executivo, setor produtivo, sociedade civil e, como observadores, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público do Trabalho. Raras são as atividades que ainda não puderam ser retomadas, mesmo que em novas condições, atentas aos protocolos sanitários para evitar a propagação da Covid-19.

Nas últimas semanas, tem se assistido a reabertura de espaços culturais, públicos e privados. A notícia é duplamente positiva. Primeiro, porque reativa um dos setores mais abalados pela pandemia, afetado por ela desde antes dos decretos se isolamento. A temporada tem sido das mais duras, não apenas para os artistas, mas ainda para todos os profissionais da economia da cultura. Os retornos são positivos, também, para o público, carente dessas ofertas.

Não há dúvidas de que qualquer retomada de atividades presenciais, culturais ou não, precisam ser rigorosas em suas pedidas de proteção. É imperativo resguardar a saúde de colaboradores e, claro, do público. Dito isso, é positiva a possibilidade de se acessar, mais uma vez, experiências culturais que pedem a condição da presença. Visitar exposições e ver sobre o palco a arte viva do teatro são exemplos de relações do público com obras e manifestações artísticas que estão para além do que as experiências remotas podem oferecer. 

O cultural, que escapou ao essencial num primeiro momento, por razões já explicadas, fala direto à essência. A médio prazo, não se pode passar sem ele, pois tem papel, central no exercício de reflexão sobre os tempos que se vive, a respeito da relação com o outro e de grandes temas que, de uma forma ou de outra, ocuparam a todos no período, caso da dor do outro e da finitude.