Editorial: Violência inadmissível

A pandemia da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), por sua gravidade e elevada taxa de letalidade, concentra as atenções e, por vezes, dá a impressão de ser o único inimigo enfrentado no momento. Apesar de ser, de fato, imenso, e o parco conhecimento sobre ele torná-lo mais ameaçador, não é a única preocupação do momento. No âmbito da saúde, basta citar o aumento de casos de dengue nos três primeiros meses deste ano. Como no enfrentamento à Covid-19, o cidadão também tem, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, um importante papel. Mas há, ainda, outras ameaças graves, de ordem social, que exigem vigilância de todos.

Neste período de exceção, a violência doméstica tem preocupado autoridades em todo o mundo, com registros do aumento de casos de agressão a mulheres em diversos países. O caso se explica pela simples e infame matemática de que, no confinamento, com mais tempo ao lado de companheiros violentos, elas estão mais expostas. A maior parte dos casos de violência do gênero acontece no ambiente doméstico.

Em relacionamentos abusivos, o crime costuma ser alimentado por frustrações diversas. À vítima, é imputado o papel de bode expiatório. Em tempos universalmente tensos, com risco de contágio e todas as suas consequências, impedimento de ir e vir e o desemprego, as lamentáveis consequências são previsíveis. Paga-se, nesta hora, por problemas que a sociedade negligenciou em seus dias de normalidade.

O levantamento da Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), relativo aos casos de violência doméstica, registrou em menos de um mês de quarentena 703 ocorrências em todo o Ceará. A Polícia Militar atendeu a estes chamados entre os dias 20 de março até 12 de abril deste ano.

Os números da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) são elevados e inaceitáveis, persistência de tempos incivilizados, em desacordo com as leis e os valores da sociedade moderna. Ainda assim, no caso cearense, são menores do que os de igual período do ano passado. Contudo, as próprias autoridades policiais não entendem a retratação dos registros como, necessariamente, um recrudescimento da violência real. A vigilância não pode baixar a guarda.

Em casos do tipo, há sempre um descompasso entre o que acontece no ambiente doméstico e a quantidade de incidentes que são reportados. Da agressão à denúncia, muitos obstáculos se interpõem às vítimas, desde o tempo ao agressor, passando por razões afetivas, dependência econômica e falta de apoio de familiares e amigos. Favorece a violência contra as mulheres o discurso de que situações do gênero pertencem ao domínio da intimidade, dizendo respeito apenas ao casal. O crime, seja qual for ele, onde quer que se cometa, com tais e quais atores envolvidos, sempre diz respeito a toda a sociedade.

O momento é de fortalecimento dos laços e empatia. Amigos e familiares devem estar atentos e dar todo o suporte necessário às vítimas. Ao estado cabe a repressão e a punição àqueles que enveredam pelo inadmissível caminho da violência e da incivilidade.