Editorial: Emergir conhecimento

O desenvolvimento de qualquer sociedade passa pelo conhecimento de sua história. O Ceará, cuja bagagem cultural a nossa historiografia tanto já se debruçou, abre agora mais um caminho: o que escondem nossos mares. Trata-se dos estudos sobre uma parte da história não contada de nosso Estado, que está sob suas águas. Ou melhor, naufragadas em seu solo marinho.

Embarcações dos mais diferentes portes e épocas, vindas de vários recantos do planeta, em tempos de guerra e paz, jazem no mar a uma curta distância de nossa costa litorânea. E explicam uma parte de nossa história, bem como da história nacional e mundial.

Estão depositados no mar do Ceará cerca de 90 naufrágios. Cada um deles guarda uma parte da história. Tem desde petroleiro bombardeado na 2ª Guerra Mundial, em pleno tensionamento pré- entrada dos Estados Unidos no Eixo dos Aliados, também passando pelo submarino de guerra alemão que mais se aproximou da “América inimiga”, ao Iate Palpite, barco de grande porte que levava parte dos estudos da Comissão Científica Imperial de 1859. Sim, a história mundial passou por aqui.

Não é necessário ir muito longe. A poucos metros do espigão da avenida João Cordeiro, na praia de Iracema, em Fortaleza – num hipotético sumiço das águas – seria possível avistar não menos que duas dezenas de embarcações, naufragadas em diferentes momentos da nossa história, como o Navio Amazonas, que apresentou problema em seu casco e afundou em 1981, despejando dezenas de troncos de madeira, variadas mercadorias e contêineres de carga por água abaixo, alguns carregando louças de cristal – há dois anos, um último contêiner foi descoberto.

Da mesma forma, a provável descoberta do que seria o Palpite, a embarcação com estudos da comissão científica expedicionária a mando de D. Pedro II, em 1859, nas águas do mar de Acaraú, no litoral leste, trouxe um feito inédito: a parceria entre universidades de Brasil e Portugal em estudos de arqueologia subaquática no Ceará.

Essas novidades que começam a rascunhar nossa historiografia foram possíveis graças a pesquisadores, em geral voluntários no desafio de prospectar a história submersa. Trazem à tona o que o mar um dia levou para debaixo de seu tapete. À sociedade cabe acolher esses novos empreendimentos do conhecimento histórico e deles cada vez mais participar, por meio dos centros de pesquisa. Alguns, como o Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará, têm dado sua contribuição.

Está em estudo para o Ceará a construção de um Santuário Marinho, que possa reunir, de forma sistematizada, desde os sítios arqueológicos afundados no mar às próprias fauna e flora que naturalmente compõem nossa biodiversidade marinha.

O mar do Ceará guarda tesouros, capítulos do passado que ajudam a repensar o presente. Essa riqueza se dá na forma de história e conhecimento. De uma forma nunca antes vista, o Estado tem a oportunidade de ampliar sua bagagem cultural ao reconhecer que seus atrativos, incluindo o turístico, vão além de suas praias: invadem a água e tocam o solo marinho, feito conhecimentos guardados, à espera de que possam emergir