Cotas raciais em disputa

Era previsível que nesses últimos dias na realidade cearense, com o envio do Projeto de Lei que institui política de ação afirmativa, na modalidade cotas raciais, nos concursos públicos destinados a cargos ou empregos no âmbito do poder executivo estadual à Assembleia Legislativa provocasse em alguns segmentos sociais total aversão a essa iniciativa.

Os motivos para a rejeição são diversos, mas vale destacar alguns que dão sustentação às narrativas presentes nas redes sociais: “para que cotas para negros se somos todos iguais? Isso é uma discriminação, uma desigualdade. Caso tenha de ter, é melhor cotas sociais”.

O primeiro argumento encontra base na falsa promessa liberal de que todos são iguais, nascem livres e convivem numa sociedade solidária e fraterna, portanto não carece de medidas que prestigie a igualdade material.

O segundo afirma que o problema é social e não racial, ancora-se no mito da democracia racial, acreditando que aqui vigorou uma harmonia entre os grupos étnicos formadores da nação. Portanto, se o/as negro/as não conseguem uma inserção na sociedade, é deles a culpa. 

Vale uma análise voltada para as raízes históricas e desatrelada de cunho moral. A mistura entre as raças, a herança e recriação da escravidão como linguagem vigente até hoje, a abolição inacabada e o racismo estrutural não produziram a igualdade de condições para a população negra como classe trabalhadora, ao contrário, deixaram a marca de que essa é destituída de ética e de moral para o trabalho.

Na realidade brasileira opera-se a cegueira de cor, um tipo diferenciado de racismo cuja ênfase não recai na inferioridade biológica ou moral, e sim num discurso da competência, do desempenho, acreditando em supostas limitações culturais do/as negro/as, que não teriam o preparo exigido pelo mercado de trabalho. Prevalece o desconhecimento dos conflitos raciais como responsáveis pelas persistentes desigualdades entre brancos e negros.

Será de grande valia se essas inquietações provocarem um debate sincero sobre o racismo, tema desprezado e silenciado, porém presente nas relações interpessoais e nas instituições sociais. Quem sabe agora com a aprovação desse Projeto de Lei se construa uma consciência sobre os resultados positivos de tornar o serviço público menos monocromático e mais inclusivo. 
 
Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.