O que você pensa a caminho da urna? Melhor ainda: que filme passa na sua cabeça ao sair de casa para votar no seu candidato predileto? Por mais que você esteja com a escolha definida, uma fita sempre gira, a memória em VHS, para deixar marcado aquele dia inesquecível. Um filme que começa a passar, aliás, ainda na véspera, com imagens que definem seu pensamento, seu jeito de encarar o mundo.
Meu filme sempre começa com a minha origem, como se uma voz misteriosa perguntasse: de onde você veio, me conte um pouco a sua história, a que classe de gente você pertence? Daí sempre aparecem meus pais, os tios, os avós botando a melhor roupa, na beca, todos rumo à sede do município, Santana do Cariri ou Crato, para sacramentar o dever e o direito.
A cada pleito é um filme novo que rebobina no juízo. No primeiro turno destas eleições, por exemplo, o Nordeste inteiro me passou em revista, em cinemascope, como nos primeiros longas metragens que vi nos cines Plaza e Eldorado, em Juazeiro do Norte. O Nordeste inteirinho na cabeça, mesmo me dirigindo para votar no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.
Os personagens principais eram os meus primos e primas que nasceram lá no mato e chegaram à faculdade, um sonho épico impossível por gerações e gerações antes da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Lá está o diploma na parede da casa materna, sob um bico de luz que substituiu o candeeiro. Na frente da residência, uma cisterna, tecnologia simples da nação semiárida.
A uns cem metros da seção eleitoral, os filhos saltam das páginas do álbum de família. O filme se torna mais sentimental e derramado, você pensa no futuro deles e delas. Cai uma lágrima democrática, bem piegas mesmo. É quando você abre a lente social e a perspectiva: ah, estou no lucro e no privilégio, mesmo no aperto classe média. E os filhos dos outros? E a fila do osso?
Nesse momento, o filme fica punk, barra pesada, você vê o presidente e o Paulo Guedes negando a fome. Brasil em transe, o diretor baiano Glauber Rocha ressuscita e assume o comando. Até o Bob Jeff aparece com seu fuzil de bandoleiro. Corta.
Calma, meu velho, chegou a hora, vá lá e senta o dedo. A democracia agradece. Sobreviveremos todos e todas. Bom voto.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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