O efeito Tiririca nas urnas brasileiras

Foto: Agência Câmara

Coube a um palhaço cearense, senhoras & senhores, um dos momentos de maior sinceridade da política brasileira. Criado em circos mambembes no interior do Nordeste, Francisco Everardo Oliveira Silva prometeu, há 14 anos: “Vote no Tiririca, pior que ‘tá’, não fica”.

Ficou. Por isso é sempre muito importante lembrar, nestas eleições, o lema do comediante que virou político. Em especial quando testemunhamos os mais espalhafatosos e exóticos candidatos.

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Sabe o tipo que “chuta o balde” e se diz antissistema? O tipinho que faz arruaça e bota boneco em todos os debates, seja em Fortaleza ou em São Paulo — normalmente um concorrente sem propostas ou projetos para a cidade.

Voltemos ao Tiririca, para entender melhor o personagem. O slogan que poderia significar um sincericídio eleitoral rendeu 1.348.395 votos ao novo deputado eleito pelo então PR (Partido da República) para a bancada paulista no Congresso, em 2010.

Ele foi o segundo mais votado na história até aquele momento, superado apenas pelo médico cardiologista Enéas Carneiro (1938-2007), famoso pelo bordão “Meu nome é Enéas”, que obteve o apoio de 1.573.642 eleitores do estado de São Paulo no pleito de 2002.

Veio Bolsonaro e uma multiplicação de bolsonaristas espalhados na política brasileira. Ficou pior do que estava, ao contrário da promessa de picadeiro. A culpa, porém, não pode ser atribuída ao filho ilustre de Itapipoca, Ceará. No seu mandato de estreia na Câmara, o palhaço-deputado figurou no seleto grupo de nove representantes, em um plenário de 513, que compareceu a todas as sessões de trabalho.

A caderneta de presença e aprovação de um projeto que incluiu trabalhadores circenses na Lei Rouanet (incentivo à cultura) fizeram de Tiririca um dos 25 indicados para o Prêmio Congresso em Foco, em 2012, um troféu que seleciona os parlamentares mais atuantes. Foi uma largada surpreendente.

O cenário político, porém, seguiu piorando. Isso não impediu, no entanto, que o palhaço conquistasse mais dois mandatos com 1.016.096 votos paulistas em 2014 e 453.855 em 2018.

Ligado ao “Baixo clero”, o grupo da Câmara sem importância nas decisões da Casa, o palhaço chegou ao fim do terceiro mandato como membro da base de apoio parlamentar ao presidente Jair Bolsonaro. Isso não o impediu, porém, de cometer algumas infidelidades com o “mito”. Em 2021, deixou os seus aliados furiosos ao votar contra o sistema de cédulas impressas para as eleições — bandeira do bolsonarismo derrotada no plenário.

Ciente de que o lema “pior não fica” havia sido desmoralizado, o comediante bem que tentou mandar um recado ao então presidente e ex-colega da turma do fundão do Congresso, ainda em 2019: “Tá faltando a galera pra chegar e dizer: ‘Irmão, senta aqui. Cara, tu não é deputado. É o país, irmão. Assim não vai. É assim, assim e assim…’ Se ele não sair do pedestal, ele vai ser o pior governo que já tivemos em todos os tempos”, disse à imprensa. A profecia do ex-palhaço foi certeira.

Tiririca (PL) não é mais o mesmo fenômeno eleitoral de 2010, mas conseguiu chegar ao seu quarto e atual mandato com 71.754 em 2022. Escapou por uma “peinha” de nada, como diria um bem-humorado conterrâneo cearense. E o seu famoso slogan segue como um pisca-alerta para as eleições de outubro: sempre pode piorar, não caia no conto dos picaretas.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.



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