Açude da Tatajuba sangrou e nada é mais importante

No meio do caos aqui em São Paulo, uma mensagem materna puxa o freio de mão e dá um cavalo de pau em toda e qualquer correria:

— Tatajuba sangrando, meu filho — gravou dona Maria do Socorro no WhatsApp.

Para tudo. Essa é a maior manchete da humanidade. O Tatajuba, grande açude do Cariri Oeste, é minha primeira noção de mar e de algo infinito. No Ceará das vidas secas, passávamos décadas à espera desse acontecimento.

A sangria do mar da nossa aldeia foi alarmante. Trouxe de volta este ano um temor vivido em outros invernos: o risco de ruptura de um pedaço da parede. Os técnicos da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos e da prefeitura de Santana do Cariri correram na emergência.

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Deus tomara que siga tudo pacífico no marzão e nos arredores do Olho d´Água, Boa Vista e Tabuleiro, afinal de contas nada é mais bonito do que um açude sangrando sobre nossos quintais e roças. Chova ou faça sol, esteja o cearense em qualquer parte do planeta, é uma imagem que a gente nunca apaga da fita. Sempre escorrerá na vazante da memória, com o barulho da água em uma orelha e o solo do galo-de-campina na outra.

Nada mais bonito que um açude sangrando. Tomara que siga tudo em paz e venha a fartura. Manda notícias da área, primo Chico Quintino — se não for abusar do portador, arrume também uma lata de doce de leite ou gergelim no capricho.

Tatajuba, Ipiranga, Motor, Penedo e Telha... Banhos inesquecíveis dos açudes da infância. Em tempos de pitomba, melhor ainda. Uma pitomba, essa frutinha de tão pouca carne que vale por mil bolinhos madeleines de Proust em matéria de gatilho de lembranças.

O amigo Tom Zé que o diga. Outro dia o encontrei cheio de cachos de pitombas no colo, na recepção de um hotel em Maceió, o artista desfrutava vorazmente daqueles “zolhinhos de boi” — outro nome dado a tais frutinhas enciclopédicas. Cada caroço era uma légua tirana de memória rumo à cidade de Irará do seu universal memorioso.

E você, leitora, leitor, qual o sabor ou cheiro que te levam direto ao reino da infância? Eu fico por aqui, na barulheira de São Paulo, ouvindo a sangria do Tatajuba sobre as pedras de Santana.

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