“Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria cheio de preás, gordos, enormes.” (Graciliano Ramos, no livro “Vidas Secas”).
Até Baleia, a cachorra que sonha como gente, sabe: ninguém está mais preparado no mundo inteiro para lidar com o apocalipse climático do que o povo do Nordeste. As secas da região, por séculos e séculos, mostraram o clima como protagonista de tragédias nos nove Estados nordestinos. Antes e depois de tudo, um forte. O sertanejo aprendeu a grande lição da convivência com o semiárido.
Aprendeu. E agora está mais consciente do que nunca. É o que começou a revelar a Marco Zero Conteúdo, na série especial “A reinvenção do Nordeste”, coordenada pelo jornalista Inácio França. As reportagens, com experiências animadoras nos sertões da Bahia, Ceará e Paraíba, mostram como a região se reinventa para enfrentar o Aquecimento Global.
Um dos exemplos mais extraordinários dessa natureza é a Reserva Natural Serra das Almas, santuário da fauna e da flora, projeto iniciado há 24 anos, nas terras cearenses de Crateús e em Buriti dos Montes (Piauí), pela turma da Associação da Caatinga. O tatu-bola, mais do que ninguém, sabe da importância dessa brava gente.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, alertou, recentemente, em encontro sobre o tema, em Petrolina (PE), na beira do Velho Chico: “Os estudos da ciência estão nos mostrando que já temos uma ampliação das áreas que eram semiáridas e que estão ficando áridas. Isso é mudança do clima. Se a gente ‘descaatinga’ a Caatinga, a gente agrava o problema”.
Quem descaatinga contribui com o fim do planeta, Marina está certíssima. Naquele mesmo dia, a ministra anunciou a seleção de 12 projetos para a criação de unidades de conservação federais no bioma Caatinga, a serem implantadas até 2026. Entre eles, o Refúgio da Vida Silvestre do Soldadinho-do-Araripe.
O soldadinho-do-araripe, para quem ainda não sabe, é um passarinho deslumbrante, em extinção, que só existe no Cariri cearense. Juro que já vi deles, por segundos de susto e alumbramento, nas matas do parque Arajara, município de Barbalha. Inesquecível. Vale o plantão, caros observadores de pássaros.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
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