Marcos Gouvêa: Brasil erra ao formar muitos advogados e poucos profissionais de tecnologia
Empresário palestrou no evento Café-debate do Lide Ceará
O empresário e consultor Marcos Gouvêa traçou, em palestra a um grupo de grandes empresários do Lide Ceará, nesta terça-feira (30), um panorama dos trunfos e desafios para o varejo e os serviços no Brasil.
Um dos insights do especialista tange ao que chamou de "desalinhamento da formação acadêmica do País". Ele chama atenção para o fato de potências como China e Estados Unidos ampliarem fortemente o número de profissionais em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, enquanto o Brasil concentra-se em cursos de Direito e Administração.
“Nós temos 474 advogados para cada 100 mil habitantes (no Brasil), mais do que nos Estados Unidos, Reino Unido ou França. Mas, nas áreas que vão demandar mais no futuro, como tecnologia e engenharia, formamos muito menos. Estamos formando gente em áreas em que o futuro demandará menos, e deixando de lado onde vai demandar mais”, criticou.
Nos Estados Unidos, informou, os formandos em tech e áreas de ciência giram em torno de 900 mil. Na China, o número chega a 3 milhões. Já no Brasil, apenas 200 mil.
"Ventos da Ásia e miopia brasileira"
Gouvêa destaca que o mundo passa por uma transformação “intensa, profunda e ampla”, puxada pela Ásia. Segundo ele, a China investe em inteligência artificial, digitalização e sustentabilidade como caminho para liderar a economia global. “Eles estão determinados a acelerar ainda mais essa transformação a partir da tecnologia, e isso deve nos servir de alerta”, destacou.
Na avaliação do especialista, enquanto o Ocidente se fragmenta em disputas políticas e comerciais, a China fortalece sua presença internacional por meio de integração econômica e logística, com destaque para a New Silk Road. Esse cenário, segundo Gouvêa, contrasta com a posição brasileira: “Estamos na contramão do processo. O projeto de país, hoje, vai só até a próxima eleição, e isso é uma brutal miopia”.
Contradições internas
Apesar de indicadores positivos, como o menor desemprego da série histórica e a maior massa salarial real já registrada, o consumo interno não avança. “A renda está maior, o desemprego está menor, mas o varejo segue estagnado. O que explica isso é a inflação dos alimentos, o endividamento elevado e, sobretudo, a baixa confiança do consumidor”, afirmou.
O consultor destacou ainda o peso crescente das apostas online no Brasil, que movimentaram R$ 119 bilhões em 2024 e podem chegar a R$ 220 bilhões neste ano. “Esses recursos estão sendo drenados do consumo tradicional e esterilizando receita que poderia fortalecer o comércio e os serviços”, disse.
Consumo das famílias
Outro movimento apontado por Gouvêa é a migração dos gastos das famílias para serviços. Ele lembrou que, em países desenvolvidos, o setor já representa mais de 80% do PIB. “Ninguém compra bens duráveis toda semana, mas vai ao restaurante, à academia, viaja, estuda. Essa é a direção de uma sociedade moderna”, explicou.
Exemplos incluem a diversificação de grandes varejistas em serviços financeiros e o avanço de indústrias em áreas como alimentação fora do lar, que já responde por 36% do gasto com comida no Brasil, contra 59% nos Estados Unidos.
Na visão do consultor, a dualidade do consumo brasileiro é outro ponto de atenção. De um lado, o setor de luxo cresceu 26% entre 2022 e 2024. Do outro, atacarejos e redes de desconto lideram a expansão no varejo popular. “Vivemos entre o Brasil afluente, que consome marcas premium, e o Brasil dependente, que busca valor. Essa discrepância aumentou muito”, observou.