“Amor” a quem paga mais

Leia a coluna desta quinta-feira

Legenda: Neymar acertou contrato com o Al-Hilal por dois anos.
Foto: Saudi Pro League / AFP

Na minha vida de tantos anos de batente, nunca vi tanto dinheiro no futebol. No mundo dos negócios, o esporte em geral ganhou uma importância muito grande, mas o futebol é o que mais impressiona. Na década de 1950, época em que passei a frequentar os estádios, o futebol vivia somente das receitas advindas das bilheterias e dos cofres de alguns mecenas. Não se falava em patrocinador. Nem pensar colocar alguma marca na imaculada camisa dos clubes. Hoje, fábulas de dinheiro acionam os mecanismos que dão ao futebol a grandeza de maior espetáculo da Terra.

Multiplicaram as competições. Multiplicaram-se os interesses. Além do interesse econômico, há também interesses políticos. O britânico Charles Miller, considerado o inventor do futebol, certamente jamais imaginou a proporção gigantesca que tomaria o que para ele não passava de recreação. Hoje o dinheiro é que manda. Estão aí os grandes clubes, movidos por investidores cada vez mais ousados. O mundo do amor à camisa passou a ser coisa do passado. Cada vez mais predomina o poder de aquisição. Bobinho quem ainda imagina apego aos clubes como antigamente. Agora, parece, vale mesmo o “amor” a quem paga mais. 

É negócio 

Caso recente aconteceu no futebol cearense. O atacante Moisés estava no auge, atuando pelo Fortaleza. Destaque mesmo. Jogador muito importante no esquema do técnico Juan Pablo Vojvoda. Como se sabe, os jogadores hoje têm seus empresários. Estes cuidam do interesse financeiro dos atletas. Pintou proposta compensadora, o jogador é negociado. E vai embora mesmo. 

É assim 

Não adianta falar de amor à camisa. O mundo é outro. Neymar, por acaso, morreu de amores pelo Barcelona? Por acaso, morreu de amores pelo PSG, onde teve problemas de relacionamento com alguns companheiros. Morrerá de amores pelo Al Hilal da Arábia Saudita? É assim que funciona hoje. Não é apenas o Neymar. A maioria é assim, com raras exceções, claro. 

Produtos do meio 

Não posso generalizar. Não posso dizer que os jogadores atuais são desprovidos totalmente de apego ao clube. Claro que há ainda os que se tocam pelo sentimento de afeição, quer por tradição familiar, quer por encantos da infância e da adolescência. Mas, quando entram nos bastidores, descobrem outra realidade bem distante das fantasias. Aí viram produtos do meio. 

Dois mundos 

Estou no batente há 58 anos. Acompanhei os diversos momentos dos clubes e das torcidas. São dois mundos opostos. As torcidas não brigavam. Quando muito uma pequena discussão, logo apaziguada pela turma do “deixa disso”. Hoje torcedores se agridem e se matam. E, não raro, brigam até entre si grupos da mesma torcida. Não dá para comparar. Nem dá para acreditar.  

Preferência 

Não posso voltar aos momentos do futebol romântico das décadas de 1950 e 1960. Não posso voltar ao tempo em que não havia sequer separação de torcida. Não posso voltar ao tempo em que o jogador tinha amor ao clube. Se fosse possível, faria valer a preferência pelo futebol como jogado e administrado à moda antiga. Mas reconheço que esse saudosismo não tem mais espaço. Morreu. 



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