Uma das cenas que guardo na memória de quando era gestora da Secretaria da Justiça e Cidadania (hoje Secretaria da Administração Penitenciária) são as longas filas de mulheres aos sábados e domingos nas entradas das penitenciárias masculinas. Mães, companheiras, filhas, irmãs, amigas. Algumas se revezavam no calendário mensal para que o interno nunca deixasse de ter companhia familiar aos fins de semana.
Nos mesmos dias, em frente à unidade feminina, a fila era reduzida. As mães, muitas delas carregando as filhas e filhos das internas, e alguns raros companheiros. A diferença no tamanho das filas saltava aos olhos dos observadores.
A imagem me veio à cabeça após ler um texto na versão digital brasileira do periódico Le Monde Diplomatique sobre uma mulher que assumiu o cuidado do pai quando este foi diagnosticado com câncer e agora ela própria se cuidava da doença. A autora, chamada Daniela Lousada, conta sobre sua experiência nos corredores dos hospitais como cuidadora e como paciente e seu olhar sobre a quantidade de mulheres ocupando esses corredores. Elas também nessas duas situações.
No texto, Daniela chama atenção para a forma como as mulheres assumem a função de cuidar de seus familiares e como, quando na condição de pacientes no tratamento de câncer, muitas delas são abandonadas pelos maridos. A autora cita uma reportagem da CBN, que aponta que mais de 70% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama são abandonadas pelo marido.
Trago as duas situações para pontuar o lugar de cuidado ocupado pelas mulheres na nossa sociedade. Muitas vezes porque querem, gostam, escolhem estar ali. Mas um outro tanto de vezes porque não há quem divida com elas essa função.
Os homens da nossa sociedade patriarcal não são educados para cuidar da família, para cuidar dos filhos, para cuidar dos pais. Essa função ficará com a mãe, com a filha mulher…
Isso faz com que as mulheres olhem para seus corpos como um corpo produtivo, que precisa ser cuidado para não adoecer e não ser um empecilho na tarefa de cuidar do outro e, muitas vezes, também de sustentar a casa.
Daniela Lousada encerra o texto com a seguinte frase: “Definitivamente a mulher é quem cuida, e ela precisa se cuidada”. Pego aqui esse trecho emprestado e lhes convido a exercitarem o cuidado com as mulheres que lhes orbitam. O cuidado não deve ter gênero.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.