Suzana Flag

Quem vive de escrever precisa estar sempre preparado para surpresas constantes do ofício. Algumas trazem desafios, como o de um homem que escreveu disfarçado de mulher, por exemplo. Aconteceu com o dramaturgo Nelson Rodrigues, que precisou inventar um pseudônimo a certa altura da vida e escolheu Suzana Flag, sem imaginar o que viria a partir disso. Tudo aconteceu quando o dono d’O Jornal, publicação dos Diários Associados, pediu que Nelson escrevesse um folhetim à moda europeia, com muitas reviravoltas, histórias de amor e ganchos fortes que prendessem os leitores de um capítulo para o outro. Na Europa a prática do folhetim estava aumentando as vendas dos jornais e ele imaginou que poderia dar certo por aqui também. Não só funcionou bem como tornou-se semente de um dos maiores fenômenos de comunicação e arte do Brasil: a telenovela. 

Antes de convidar Nelson Rodrigues, pensou em comprar uma história estrangeira, mas achou melhor contar com o ouro da casa e disfarçar a sua verdadeira autoria com um nome que não soasse brasileiro. Nelson, por sua vez, não se sentiu confortável com a escrita do folhetim e achou melhor esconder sua identidade. Só alguns poucos funcionários do jornal sabiam quem era Suzana Flag. “Meu destino é pecar” teve seu primeiro capítulo publicado em março de 1944 e fez tanto sucesso que triplicou a tiragem do jornal. 

Um certo dia, por um erro de programação, um dos textos não foi publicado. Era um momento tenso da narrativa e os leitores não conseguiram controlar a ansiedade, foram até a redação do jornal e exigiram o pedaço da história que lhes faltava, que era direito deles. Não há reconhecimento maior para um escritor do que ter leitores. Ainda mais por saber que seu texto faz falta, que o desejo de ler mais um pedaço da história provocou uma pequena rebelião. Depois de “Meu destino é pecar”, Suzana Flag assumiu uma coluna, chamada “Sua lágrima de amor” que respondia cartas dos leitores, dando conselhos para a vida sentimental. 

O apelo para a participação dos leitores era forte: “Se você gosta de alguém; se não gosta de ninguém; se é feliz ou infeliz no amor – escreva para Suzana Flag. A novelista célebre de ‘Meu destino é pecar’ escreverá todos os dias em Última Hora, respondendo às nossas leitoras, de todas as idades e condições sociais. Suzana Flag estará sempre disposta a atender à mulher enamorada e a dar-lhe a palavra justa, amiga e clarividente, o conselho sábio que poderá decidir a sua crise sentimental.”

É possível imaginar a quantidade de histórias maravilhosas que o autor recebeu. As desventuras de amor são fontes inesgotáveis de espantos. Nos momentos de fragilidade do coração, a promessa de uma palavra sábia é irresistível. Tanto que Suzana Flag recebeu não só pedidos de conselhos, mas declarações de amor. Uma delas veio de um presidiário apaixonado, que gostaria de conhecê-la. Sua resposta foi educada: sou casada. Ironia deste autor, que tanto escreveu sobre adultério.  

A história da imprensa é cheia de situações assim, em que a ponte com autores e leitores causa comoção. Saber que um leitor reconhece seu nome e estilo, aguarda o seu texto e sente-se tocado por ele é a melhor recompensa. As reviravoltas de Nelson Rodrigues me deixaram com vontade de escrever um folhetim, inventar um pseudônimo, receber cartas de leitores pedindo conselhos. O jornal mudou, o mundo de hoje é outro, mas as dores e alegrias de amor, essas sim, continuam transtornando os mais frios corações. Como andam, por exemplo, os amores na pandemia? Se alguém quiser me contar sua experiência, vou gostar de saber. É bom saber que, desde os tempos de Suzana Flag, são as paixões que iluminam a vida.