Umburana. Foi a primeira coisa que aprendi com Gilmar de Carvalho. Umburana é a madeira matriz da xilogravura, macia e dócil ao corte do artista, sensível à tinta que marca o papel das capas de cordel, das gravuras que enfeitam o sertão. O Cariri foi um amor que ele me deu, dividiu com todos nós, alunos do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará nos arredores dos anos noventa.
Por causa do Gilmar entendi melhor o Padre Cícero, o Juazeiro do Norte, a importância da xilogravura, do cordel, do repente, da embolada. Já conhecemos isso tudo de nascença, mas foi ele que nos ensinou a atravessar a superfície e perceber a profundidade, as origens. Foi ele que falou de Paul Zumthor, medievalista e linguista que ajudava a construir pontes entre o medievo e o sertão.
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Mestre Noza também foi lição dele. Esquadrinhei Juazeiro seguindo seu mapa, ele me ensinou a amar o Horto. Antes de ir, li o seu “Madeira Matriz – Cultura e Memória”, entendi como sagrado e profano sempre estarão imbricados, entendi a vida dos romeiros nas redes, sob o sol, rezando e bebendo, entoando benditos e fazendo amor, tudo na mesma leva, é tudo o mesmo milagre.
Quando soube de sua morte, coloquei seu nome na busca da minha caixa de correio e revi e-mails antigos. Gilmar na minha banca de defesa de monografia, ouvindo minhas ideias, iluminando as coisas sempre. Sua acidez sobre as pessoas, sua honestidade. Seu acervo de cordéis à venda, sua vontade de ir à Europa – e o reconhecimento de não ter ido antes por teimosia.
Foi para Gilmar que dediquei o livro “Plantou Palavra, Colheu Poesia”, publicado pelo Armazém da Cultura, a história de um menino chamado Francisco que encontra um poeta chamado Antônio e tenta aprender com ele como é isso de juntar palavras bonitas, como é isso de dizer coisas de um jeito que emocionam até a gente chorar.
Francisco Gilmar de Carvalho, meu professor, foi quem me ensinou o que são os verdadeiros artistas, esses homens e mulheres que precisam usar as mãos e a voz para fazer o mundo parecer menos acre, menos duro, menos cruel, um pouco por dia.
Gente pobre, paupérrima, escondida no sertão, conjuradores de uma mágica ancestral que ninguém sabe de onde vem, brota na alma.
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A cordelista Paola Torres acabou de escrever que Gilmar de Carvalho era um bardo. Era sim, o nosso bardo, que contou tanto ao mundo sobre o mundo. Ele fez da vida um constante tirinete, sempre em movimento. Ele buscava pessoas. Queria encontrar pessoas, falar delas, de sua arte, espalhar as coisas belas ao vento dos merecedores.
Inselença foi outra palavra que aprendi com Gilmar. Cantigas de Guarda, Cantigas de Sentinela, os cantos das despedidas. Canto uma inselença para ele, um abraço para Francisco, para Dodora, para todos que sentem sua falta e que tanto agradecem ao que deixou conosco. Nossa Biblioteca Estadual deveria levar seu nome. Ele, que foi a biblioteca de todos nós. Continuará sempre. Gilmar, o Bardo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.