Rogério Mesquita, uma estrela Bagaceira

Perdemos um grande homem de teatro, um verdadeiro historiador das produções cearenses

Legenda: Ator cearense, Rogério Mesquita morreu no dia 04 de agosto. Que falta você vai fazer pra tanta gente que, assim como eu, te ama e te admira

Quando Paulo Gustavo, Gal Costa e Zé Celso partiram, escrevi aqui sobre meus sentimentos de admiração e de tristeza. Escrevi sobre o quão importantes foram em minha formação artística. Hoje, escrevo sobre alguém que foi muito mais do que uma referência, foi um amigo, um parceiro, alguém que convivi e troquei verdadeiramente.

A coluna desta semana pretende ser mais livre do que nunca, é possível que minha escrita não siga linha de pensamento alguma. Meu objetivo é deixar fluir cada palavra, frase e parágrafo para falar da minha emoção, do meu amor e da minha perda. Com sorte e fé, tenho a certeza de que esse amontoado de sentimentos em forma de carta chegará até ele.

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Amigo Rogério,

Escrevo essa carta em lágrimas, primeiramente, porque ao saber de sua partida, fiquei um tempo sem acreditar. Acho que ainda estou por acreditar. Você não cumpriu a sua parte do nosso acordo. Lembra que prometemos envelhecer como duas senhorinhas ranzinzas de teatro, que vão aos espetáculos apenas para serem chatas e reclamonas?

Lembra que combinamos de sempre nos encontrar aos finais de semana para rir do passado, das nossas peripécias e de colegas de profissão? Eu sei, amigo, era tudo uma grande piada, uma mera brincadeira, mas a gente se divertia imaginando essas situações. Me dava também uma sensação confortável e gostosa de um futuro tranquilo, realizado com você ao lado.

Roger, você foi um grande homem de teatro, um verdadeiro historiador, o único de nossa geração apaixonado por registrar a linha do tempo das produções alencarinas, sempre orgulhoso de saber cada data de estreia de espetáculos, suas fichas técnicas, suas narrativas.

Só você, Roger, para ser capaz de construir um grupo de trabalho pautado na amizade, nos afetos e, ao mesmo tempo, conseguir ser pulso firme na profissionalização desses integrantes, romper fronteiras estaduais e levar o nome do teatro cearense, nordestino, para todo o Brasil com tanta excelência.

O Bagaceira provou para uma cidade inteira que era possível viver bem fazendo arte, conquistou respeito e deu respaldo ao que era produzido no Ceará, abriu espaço para outras companhias, para outros artistas. Se tornou referência e marcou a história do teatro.

Te conheci ainda amador, mas nunca deixei de te ver como um amante dessa arte. Juntos, vivemos momentos de espectadores, iluminadores, produtores, escritores e atores. Tivemos os nossos momentos dentro e fora dos palcos e, mesmo quando seguimos caminhos diferentes, não deixamos de nos amar e de manter esse amor vivo.

Por diversas vezes, discordamos, lembra? Discordamos de ações, de políticas públicas, do pensar e produzir artístico e nos confrontamos inúmeras vezes. Engraçado que toda briga sempre terminava com uma declaração de carinho, de admiração, de afeto. Vai ver o amor é assim.

Parecia que quanto mais divergíamos, mais nos aproximávamos, meu amigo. Era como se a gente usasse o motivo da oposição como pretexto para entrar em contato, discutir novamente, perder a paciência e, em seguida, conversar, rir e, finalmente, declarar nosso afeto pelo outro.

Roger, a lembrança da tua risada forte, do teu jeito de coçar a barba antes de fazer algum comentário e as vozes debochadas e divertidas ecoam na minha cabeça há alguns dias, assim como seus conselhos, suas palavras de conforto, sua amizade.

Você partiu cedo demais, meu amigo. Que falta você vai fazer pra tanta gente que, assim como eu, te ama e te admira.

O Ceará perdeu um de seus maiores artistas de teatro, mas nas páginas mais especiais dos registros históricos da nossa arte, seu nome estará impresso em letras garrafais, bem ao lado da palavra legado.

Rogério, você soube ser intenso, necessário e inesquecível!

Você será para sempre. Obrigado por tanto!

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor