“Eu sou um homem e amo homens. Eu faço - por favor, não fique chocado - sexo com outros homens. Isso é normal. Então, por favor, acostume-se com isso ou abandone o futebol”. Essa frase é de Dario Minden, mas poderia ser minha. Na verdade, poderia ser de muitos, e por todo o peso e a simbologia que ela carrega, poderia ser de várias pessoas.
Minden é um torcedor de futebol alemão, que recentemente viralizou nas redes sociais com um poderoso discurso em uma conferência de direitos humanos em Frankfurt, na Alemanha, dirigindo-se diretamente ao embaixador do Catar - país que sedia a Copa do Mundo 2022 e dona de uma legislação bastante rígida e preconceituosa com mulheres e pessoas LGBTQIAP+.
Me parece contraditória a escolha pelo Catar como anfitrião do maior evento esportivo do mundo, onde a grande celebração do futebol é em um país com leis tão rígidas, perseguições e punições tão severas à população LGBTQIAP+. Mesmo sem entender exatamente todas as regras ou ser um consumidor assíduo de futebol, sempre acreditei que esse era um esporte que prezava pela coletividade, a disciplina e o respeito.
Homofobia em estádios não é nenhuma novidade. Aqui mesmo no Brasil, vivenciamos isso, com xingamentos de “bicha”, “viado” e outras derivações aos jogadores ou árbitros, mas me entristece e apavora ao mesmo tempo pensar em viver em um lugar onde eu posso ser preso, apedrejado ou chicoteado por qualquer demonstração de quem eu sou, como um crime amparado pela lei.
O Código Penal do Catar prevê a prisão de até três anos para homens que fazem sexo com outros homens. A lei islâmica sugere ainda pena de morte para os gays. De acordo com a organização Humans Rights Watch, a perseguição acontece também pelo Estatuto da Proteção da Comunidade, que permite a detenção por até seis meses sem acusação formal para o crime de “violação da moral pública”.
O Alcorão - livro base para o Islã - condena as relações sexuais entre homens, mas não prevê punição. O problema é que não se trata apenas de uma questão religiosa ou cultural, mas de um lugar que se utiliza da fé como arma para oprimir pessoas LGBTQIAP+. Parece familiar, não é?! Afinal, quantos de nós não vimos cristãos cometerem o mesmo ato ao se debruçarem sobre a Bíblia.
Em contrapartida, estamos acompanhando também as diversas tentativas de resistência e subversão, seja de torcedores, de seleções ou de grandes marcas. A Pantone elaborou uma campanha chamada Cores do Amor, onde criou uma bandeira preta e branca, mas
com as cores do arco-íris omitidas na campanha, ficando estampado apenas o seu código. Algumas seleções tentaram treinar com camisas que expressam o respeito pela população LGBTQIAP+, outras desistiram por pressão da FIFA ou por medo da repressão. Uma correspondente inglesa acabou descumprindo as regras e apareceu com o bracelete pró LGBTQIAP+ numa transmissão ao vivo e viralizou nas redes sociais.
A questão é que os olhares atentos do mundo seguem voltados para o Catar até o dia 18 de dezembro. Até lá, tenho certeza de que iremos acompanhar vários casos de homofobia no país, mas e depois? O que ficará para a população LGBTQIAP+ do Catar quando a Copa acabar? A repressão será maior? Quais serão as consequências disso tudo?
A Copa do Mundo 2022 chegou trazendo assuntos sérios demais para que a gente permaneça apenas em discussões futebolísticas sobre uma cobrança de falta, o gol decisivo do pênalti, o técnico da seleção x, o artilheiro da seleção y ou as ofensas comuns ao juiz da partida. E me dói saber que os meus estão sendo espancados, presos ou apedrejados por, simplesmente, demonstrarem seus desejos, seus amores e afetos.
Primeiro, foi a Rússia, agora no Catar. A próxima Copa será na Coreia do Norte?