Uma amiga minha que é de Catarina, no sertão dos Inhamuns, conta uma história que é a cara do sertão! Quando era criança, ela e a irmã tinham uma maneira muito simpática de se divertir. À tardinha, saíam pelas ruas da cidade cumprimentando quem estava na calçada: "Boa", diziam as meninas andando sobre as vias de pedras.
Os vizinhos confortavelmente sentados nas suas cadeiras de macarrão plástico colorido respondiam: "Boa." Era um boa-noite econômico. Diversão garantida e saudável. Como diz o meu pai, nesse tempo o povo era educado, dava as horas. Claro que o sertão mudou. E como!
Há quem use moto para tanger o gado. Juazeiro do Norte tem um dos aeroportos mais movimentados do Nordeste. E os jumentos estão virando mimosos animais de estimação. São muito inteligentes! E já era tempo, afinal são nossos irmãos, já diria o Padre Vieira.
Mas há coisas no sertão que permanecem e uma delas é sentar à calçada para conversar. No Crato, onde nasci e onde moram meus pais, a tradição continua. Mesmo que as calçadas já não sejam tão seguras assim.
Há pouco soube de quem perdera o celular porque teimara em exibi-lo naquele ambiente público. E os descuidistas só precisam do descuido. Mas ainda é costume sentar em família (de preferência sem celular) para ver o tempo e as pessoas passarem.
Na Vila Alta, bairro de relevo acidentado do Crato, as calçadas dão até uma segurança a mais. Algumas têm cerca de um metro e meio de altura na comparação com o nível da rua. A acessibilidade passou longe!
O bandido não se atreve a subir. São mais do que calçadas. São mirantes da vida alheia. A prosa é boa. O tempo passa. Anedotas são trocadas. São servidos um cafezinho e quem sabe até um sequilho ou mesmo um bolo mole. E assim o estresse do dia vai embora.
Nas capitais por onde passei, não me lembro de ter visto hábito tão saudável à mente ser tão popular. Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Nova York, Buenos Aires. Nesses cantos, as calçadas são apenas passeio público, com rara exceção.
No sertão, a calçada vai além de passagem, também é lugar de parada. A calçada é a ágora. É onde se repara na vida alheia, na vida pública e também na própria vida. Sim, porque a calçada também permite um momento de autoanálise.
Enquanto todos falam, eu me silencio e penso, naquela solidão acompanhada, que papel tenho eu nesta família com quem divido o espaço da calçada. A calçada é um divã. É lugar de conversar. E está adaptada ao tempo pandêmico.
Tenho visto muitas senhoras à calçada, sentadas e devidamente mascaradas. O vírus não perde por esperar. As calçadas são nossas trincheiras da saúde física e mental. Nas calçadas, não há stories. Não há a vida editada da internet. Nas calçadas do sertão, há vida, muita vida de verdade.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.