'Cangaço Novo' estreou nesta sexta-feira (18), na Amazon Prime Video, como uma das séries mais caras já produzidas pela plataforma. Antes mesmo do lançamento, esta coluna teve acesso aos primeiros episódios da produção e admite: é difícil encontrar palavras que definam a força presente nas cenas de ação, o retrato do Sertão nordestino, os dramas familiares e o imaginário do cangaço na região.
Dito isso, comecemos pelo início. A série nos apresenta Ubaldo, um simples bancário, arrebatado da vida pacata quando perde o emprego e descobre uma herança do pai biológico no Interior do Ceará, na cidade fictícia de Cratará. Nas terras a que tem direito, descobre duas irmãs, Dilvânia (Thainá Duarte) e Dinorah (Alice Carvalho), e adentra no universo de uma seita que cultua o pai desconhecido, aderindo ao crime e à violência.
"Tem uma fala de Grande Otelo, quando ele fez Macunaíma, que acho que representa essa trajetória. Não existe caráter nos heróis, os heróis de um certo modo são totalmente descaracterizados, e a partir disso a gente pensa na quebra do super-homem ou coisa parecida. É, acho que a gente começa a entender sobre a humanidade, é o ponto de partida de qualquer história", nos contou Allan Souza Lima, protagonista da série, quando questionado sobre o papel de Ubaldo nesse meio.
"Mocinho" da história, ele não é um protagonista comum, mas um homem que ainda patina na descoberta da própria identidade. "Acredito que tem certas coisas muito em comum, assim, em relação a minha história e a do Ubaldo", iniciou Allan quando o tópico, então, se tornou essa busca por identidade do grande personagem de 'Cangaço Novo'.
"Uma delas é essa minha relação de vida. Saí do Nordeste há vinte anos e ter pego um personagem como esse, ele sendo um nordestino que está longe. Essa representação, essa identidade, tem uma potência muito grande. Vejo nisso o ponto de partida em relação a toda essa história", continuou.
Allan imergiu tanto em Ubaldo, em meio a uma preparação intensa de personagem, incluindo semanas no sertão do Nordeste, que criou uma relação difícil com a produção. "Eu não vi a série ainda, o que eu tenho são as sensações, já que eu precisei me afastar desse processo", explicou durante entrevista coletiva, dia antes da estreia no Festival de Cinema de Gramado, como a primeira série a conseguir tal feito.
Com a finalização, o ator precisou de distância dos dramas e fatos vividos por Ubaldo, capazes de afetá-lo além da atuação diante das câmeras. "Trouxe muitas questões ali para mim. Acho que a identidade do povo se representa num aprendizado que eu tive em uma cena muito simples, mostrando a questão da vulnerabilidade do ser humano. E nisso, penso que a gente precisa estar como ser humano na vida hoje. Essa é a minha identificação em relação a esse personagem", reforçou.
Sobre o trabalho de Allan como Ubaldo, inclusive, não há dúvidas, o caráter de imersão soa como natural em frente às telas, como se de alguma forma o ator tivesse, de fato, se transformado ali.
A atenção, como caráter crucial em uma série de ação, já se prende aí, mas ela vai além. Os crimes em sequência, as motivações para que Ubaldo finalmente se una ao cangaço e a disputa política apresentada na série deixam o espectador sem fôlego, como quem é pego na pressa para embarcar em uma história repleta das nuances mais distintas.
Contada no Nordeste, 'Cangaço Novo' tem quase 90% do elenco nordestino, detalhe ressaltado pelos demais atores da produção. Segundo Aly Muritiba, baiano e diretor da série, o pensamento foi este desde o início para reforçar a importância do destaque à região e para a veracidade do roteiro desenvolvido.
Alice Carvalho, Dinorah na história, reforçou a importância do trabalho feito, com gravações no Rio Grande do Norte e Paraíba. "Essa escolha de não ter filmado com tela verde, beber da geografia, beber da luz do lugar, beber da vegetação, é um comprometimento com a verdade. A escolha de um elenco majoritariamente nordestino é um comprometimento com isso, né? E, ao mesmo tempo, a escolha de uma equipe que fosse plural, composta por gente do Brasil, majoritariamente nordestinos, mas que fosse plural, para não só trazer uma identificação com o povo nordestino", disse a atriz.
Um dos destaques quando o assunto é a carga dramática presente em 'Cangaço Novo', Alice também citou características da própria personagem e fez paralelo com a humanidade geral, algo também apontado por Allan Souza anteriormente. É preciso dizer que ela, inclusive, preenche a tela com todos os dilemas internos de Dinorah, que não hesita em utilizar da violência sangrenta nas terras a que pertence. Uma personagem rica, que se entrega ao espectador de forma honesta e, portanto, também brutal.
"Creio que o ser humano ele vive muito mais, tem muito mais consciência da dor do que propriamente da felicidade. É daí que vem esse drama. Óbvio que nossos personagens não são somente isso, né? Mas a série retrata, tem uma potência muito grande nesse lugar. Então, é aquela frase clássica que nem todo mundo sabe o que é o amor, mas todos nós sabemos o que é a dor", pincela.
Por fim, lembra de um dos temas que saltam aos olhos a cada jogo de câmera bem elaborado, indo além da estética bela à qual a série se propõe. "Essa história retrata uma coisa muito clara que é a moralidade, né? O que é moral? Até onde vai a nossa moral? Por quê? Por que a gente atravessa a nossa moral? Por quais questões? Isso é muito retratado aqui", finaliza.
A primeira temporada de 'Cangaço Novo' está disponível para assinantes do Amazon Prime Video desde o início desta sexta-feira (18), com oito episódios completos. Uma oportunidade, muito bem-vinda, por sinal, de apreciar o trabalho de nordestinos talentosos envolvidos com um projeto que os contempla como merecem.