O início da pandemia de Covid-19, no primeiro semestre de 2020, ocasionou um choque sem precedentes sobre a economia mundial. Uma pandemia tem aspectos de choque de oferta, na medida em que afeta processos produtivos, e também de demanda, pois impacta a confiança, renda e riqueza das famílias.
O impacto inicial foi altamente contracionista e desinflacionário. Passado um ano, o quadro se alterou drasticamente. No Brasil, e em vários outros países, ainda que a pandemia não tenha sido plenamente controlada, a atividade econômica já está próxima da normalização, ainda que com algum grau de heterogeneidade setorial na recuperação, e pressões inflacionárias têm se manifestado de forma intensa.
O processo inflacionário por aqui começou com a alta dos preços de matérias-primas e a depreciação do real, e, mais recentemente, passou a refletir também o comportamento de itens mais persistentes, como serviços.
Especificamente, a inflação medida pelo IPCA atingiu 9,0% em julho, contra o mesmo mês de 2020, liderada por preços agrícolas e combustíveis, repasse cambial e efeitos de gargalos de oferta, em especial nos setores automotivo e de eletroeletrônicos.
Esperamos que a inflação termine o ano em 6,9%, contando com bandeira tarifária vermelha 1 para energia elétrica (7,4% se tivermos bandeira vermelha 2), e chegue a 3,9% ao fim de 2022. Esse é o, desafiador, cenário inflacionário nacional.
E no Nordeste?
As cinco capitais da região (Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís e Aracaju) presentes no IPCA respondem por 15,8% da composição do índice. A inflação no Nordeste ficou abaixo da nacional em 2019, 4,1% ante 4,3%, respectivamente. Em 2020, o quadro se inverteu e a inflação nordestina atingiu 5,1%, ante 4,5% na média nacional. A inflação do Nordeste segue rodando ligeiramente acima da nacional em 2021, atingindo 9,1% em julho.
Quando consideramos períodos mais longos, contudo, a inflação do Nordeste evolui muito proximamente da nacional, o que não é de surpreender, dado que a política monetária é a mesma para todo o território do país.
Também existe variância de curto prazo dentro da região. Nos últimos três anos, a inflação tem sido mais elevada em Fortaleza e São Luís, e mais moderada em Salvador e Aracaju. As diferenças intrarregionais e em relação às outras regiões do país podem ser pronunciadas, mas de natureza transitória, e provavelmente refletem diferenças nas cestas de consumo de cada cidade ou região.
Em particular, consumidores nas capitais do Nordeste geralmente gastam um percentual maior de sua renda no consumo de alimentos, e um percentual menor no pagamento por serviços – isto reflete diferenças de níveis de renda, preços regionais e hábitos. Como o processo inflacionário recente tem sido liderado pela alta nos preços de matérias-primas, combustíveis e bens de consumo, com uma inflação de serviços mais moderada, o mesmo tem tido um impacto relativamente mais intenso sobre o consumidor típico do Nordeste do que no resto do país.
Se o Nordeste apresenta, ao longo do tempo, um processo inflacionário não muito distinto do resto do país, cabe a pergunta sobre como a economia da região reage às políticas voltadas para controlar a inflação. Como é sabido, desde 1999 o país vive em um regime de metas para a inflação, no qual o Banco Central altera a taxa de juros quando as perspectivas para a inflação desviam da trajetória de metas, elevando-a quando o desvio é para cima, e cortando-a no caso contrário.
Fábio Serrano e Márcio Nakane, em trabalho de 2015 premiado pelo Banco Central, estudaram o impacto regional da política monetária (Impacto regional da política monetária: uma abordagem Bayesiana). Eles ordenaram os estados da federação de acordo com a intensidade dos efeitos da política monetária sobre indicadores de atividade econômica.
O resultado é que os impactos são altamente heterogêneos. São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná são os estados mais sensíveis a choques de juros. A atividade nos estados das regiões Norte e Nordeste, em geral, tem menor sensibilidade em relação à política monetária. Mas há exceções. Na região Norte, o estado do Amazonas está entre os 10 mais sensíveis do país, provavelmente por conta da Zona Franca de Manaus.
No Nordeste, a atividade econômica no Ceará e em Pernambuco parece ser mais impactada por mudanças na política monetária do que nos demais estados da região – estes dois estados também estão, de fato, na lista dos 10 mais sensíveis, segundo o estudo.
A explicação mais simples para essa heterogeneidade é que, nos estados mais sensíveis, os setores manufatureiros, que produzem bens cuja demanda depende de taxas de juros, são parte mais relevante das economias regionais. Outros canais, como o da taxa de câmbio, podem ajudar a explicar as diferenças entre estados e regiões.
Em suma, o Nordeste tende a exibir tendências inflacionárias muito similares, ainda que nem sempre idênticas, ao que se observa em escala nacional, em que pese as diferenças de estrutura econômica. No entanto, questões estruturais explicam as diferenças em relação à sensibilidade da atividade econômica diante das mudanças de política monetária. Nesse contexto, as economias cearense e pernambucana parecem mais expostas ao impacto do corrente ciclo de aperto monetário do que as demais na região.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.