Quem nunca comemorou ou, pelo menos, desejou comemorar o Dia dos Namorados em boa companhia, que atire a primeira pedra! Muitos argumentam que se trata de uma data meramente comercial - afinal, suas origens remontam a uma campanha publicitária com o propósito de impulsionar vendas em um mês, até então, sem grandes comemorações coletivas.
Entretanto, há mais de 70 anos o Brasil celebra o 12 de junho como Dia dos Namorados, e é possível considerar, portanto, que a celebração já foi incorporada como parte de nossa cultura.
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Surgem, então, afetos contraditórios. Afinal, estamos sendo bobos em comemorar a data? Estamos apenas sendo fisgados, inocentemente, pelo mercado? Para os mais racionais, os afetos associados a essa data são falsos – quem cai são aqueles que morderam a isca.
Contraditoriamente, esses mesmos “racionais” podem sucumbir à prática de comemorar o Dia dos Namorados tão logo encontram um parceiro, alguém para compartilhar essa data festiva.
Alguns podem dizer: “só estou comemorando porque o fulano ou a sicrana faz questão”. Mas, talvez, no fundo, estão felizes e satisfeitos por celebrar a data depois de agradar o outro com um pomposo presente e um jantar naquele restaurante que só cabe no bolso se formos uma vez por ano.
E por que o ser humano age assim? Primeiramente, porque estamos longe de ser 100% racionais – a psicologia já demonstrou isso exaustivamente ao longo do tempo. Em segundo lugar, porque a cultura e os ritos sociais exercem uma influência tão grande sobre nós que é quase impossível contrapô-la.
Um dos grandes exemplos dessa contradição ocorre com Santo Antônio de Pádua (1196 – 1231), um dos santos mais populares da Igreja Católica, cujo dia é comemorado em 13 de junho, curiosamente logo após o Dia dos Namorados.
Conhecido como “Santo Casamenteiro” pela tradição popular, em vida Santo Antônio foi considerado uma figura agregadora, conhecido por acolher a todos, independentemente da classe social. Seu talento como exímio orador marcou sua trajetória, atraindo multidões com suas pregações.
Ao contrário do que seria fácil supor, os sermões de Santo Antônio não enfatizavam os encontros amorosos. Não há registros históricos nem consenso sobre como surgiu sua fama de casamenteiro.
Uma versão recorrente, mas impossível de ser constatada, é que Santo Antônio, ao final de seus sermões, ajudava mulheres solteiras a conseguirem dotes ou, pelo menos, um enxoval de casamento, facilitando, assim, a aproximação de possíveis pretendentes.
Outros estudiosos de hagiografias (biografias de santos), como Leandro Karnal, acreditam que essa fama surgiu postumamente, sendo difícil de decifrar sua verdadeira causa.
Apesar das incertezas sobre a origem da fama de Santo Antônio como casamenteiro, sua figura continua a ser venerada e invocada como um intercessor nas questões amorosas. No Brasil inteiro, com notada ênfase no Nordeste, Santo Antônio é alvo de “simpatias” e superstições, realizadas até mesmo por pessoas que se dizem católicas, apesar de o Catecismo da Igreja se opor oficialmente a práticas supersticiosas.
Culturalmente, é comum infligir “castigos” à imagem de Santo Antônio, desde amarrá-lo embaixo da cama, afogá-lo em um copo de água ou cachaça, virá-lo de ponta cabeça, entre outras possibilidades - são diversas as formas de “punir” o santo até que ele cumpra o propósito de “arrumar um casamento”.
Apesar desses severos castigos se contraporem à lógica racional e ao Catecismo da Igreja Católica, estas práticas supersticiosas persistem e são amplamente difundidas. Portanto, se alguém que se diz católico sabe que é errado, na visão da Igreja, fazer “simpatias” com a imagem de Santo Antônio, por que o faz?
De modo similar, um pouco de conhecimento histórico e racionalidade também apontam para a fragilidade do romantismo associado ao 12 de junho. Como mencionado anteriormente, esta data, desde suas origens, está intrinsicamente entrelaçada a interesses econômicos e comerciais.
Entretanto, curiosamente, quem nunca comemorou ou, pelo menos, desejou comemorar o Dia dos Namorados em boa companhia? Pelo visto, ainda temos muito a aprender sobre a fragilidade de nossa lógica racional diante da força de nossa cultura e afetos.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora