'Se essa rua fosse minha': o ninar de minha mãe

Dentro de um amor sem limites, recomeço parabenizando meu maior pilar e quem mais me estimula a seguir soltando a voz nas estradas da vida

Legenda: A palavra mãe sempre me remete à memória a escultura de Michelângelo de Pietá, na qual Maria segura Cristo já sem vida, em quase um ato de nina-lo na dor que o mundo lhe concedeu
Foto: Pexels

Depois de mais de um mês afastado volto a ter o prazer de escrever novamente minha coluna dominical para tantos amigos que me acompanham semanalmente. Todo recomeço, por mais que a pausa não tenha sido tão longa, merece um tema especial. Esse espaço é musical em sua essência e quando procuramos a definição desta arte no dicionário um dos primeiros sinônimos que surgem é “conjunto expressão sonora”.

Hoje, 25 de Setembro, a música que embala meu artigo não é nenhum clássico de Caetano, Gil e Chico, vai muito além. Por instantes fecho meus olhos e adentro no balanço de um berço. Claro, não lembro da cena, mas a voz suave da lapela que me ninava com os versos “Se esta rua fosse minha, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhantes para o meu amor passar”.

Aquela minha primeira percepção de áudio, mesmo na incapacidade da infância de entender o que significava me protegia, resguardava e trazia paz. A letra não importava, o que valia era a intérprete que talvez não seja a mais afinada, mas é a minha favorita: minha mãe.

Nesta manhã de primavera a Francisca Marly de Oliveira Diógenes, filha da Dona Daldite e do Seu Marcondes, completa mais um ano de vida. Não falarei a soma, pois com certeza este segredo ela prefere guardar debaixo de sete chaves, mas sua existência tão musical de acalanto merece hoje ser homenageada em verso e prosa, pois seu cantar é forte e inspira. Eu que conto a vida de tantos artistas, hoje falo da minha estrela maior e isso dá até um nervoso.

 

Pietá

A palavra mãe sempre me remete à memória a escultura de Michelângelo de Pietá, na qual Maria segura Cristo já sem vida, em quase um ato de nina-lo na dor que o mundo lhe concedeu. Essa imagem que representa o maior amor do mundo segue sendo representada por outros colos sofridos, cansados mas que jamais perdem a esperança.

Luã
Legenda: Voltei a ser criança e Dona Marly virou minha assessora, enfermeira, cuidadora, babá…Aliás, ela continuou sendo o que sempre foi: mãe!
Foto: Arquivo pessoal

Digo isto, pois como comecei falando, tive de me licenciar das minhas atividades devido à uma terrível depressão, doença que nos tira a força de viver e gera um vazio profundo no coração. Entre horas de desespero e sofrimento, desfrutava de uma solidão que feria a alma e na inversão de papéis da vida adulta, eu com meus 25 anos, sentia minha mãe segurar minha mão e balançar a rede na esperança que eu tivesse um sono tranquilo.

Voltei a ser criança e Dona Marly virou minha assessora, enfermeira, cuidadora, babá…Aliás, ela continuou sendo o que sempre foi: mãe! Daquelas leoas que dentro de sua seriedade fazem de tudo para proteger a cria e por mais que eu me sentisse só, eu tinha certeza que com ela eu podia partilhar minhas lágrimas e todo aquele pesar.

O mal é severo e nos momentos de maior aflição a vida se coloca em prova e por ela estar aqui por mim, foi por ela que também me mantive aqui. Não é fácil escrever isso, mas o amor nos deixa livre de dizer que o elo de uma mãe com seu filho vai muito além de um mero cordão umbilical.

Estamos caminhando juntos e assim vamos vencendo, dia por dia, sem pressa, vendo que a prioridade é permanecermos juntos pelo resto da vida, mesmo que distâncias físicas aconteçam, as almas sempre ficarão ligadas para a eternidade. Todos dizem que sou parecido com meu pai, pode ser que sim, mas quando eu me olho no espelho e me sinto forte eu digo que tirei esse poder de autoregeneração da Dona Marly que impressiona.

 

Simplesmente mãe

Poderia passar horas escrevendo sobre minha mãe. Sobre seu bom humor característico mesmo nas dificuldades. Da sua valentia de não ter medo de falar o que pensa. A caçula entregou o diploma para os pais e cuidou dos irmãos até o fim. Da esposa dedicada e paciente (até demais). Da profissional que dedicou mais da metade da sua vida à educação e até hoje acredita que esse é o maior investimento que possibilita novos futuros.

A Francisca tem força de Maria. Ela “é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta. Ela tem força e raça nesta grande mistura de dor e alegria”.

Peço agora licença para mudar a letra de Aloysio de Oliveira, compositor de Dindi, para mudar a inspiradora da canção sem perder a rima e nem a métrica. “Ah, Marly, Se soubesses o bem que eu te quero o mundo seria Marly, tudo Marly, lindo Marly”.

Feliz aniversário, Mãe, obrigado e que possamos seguir juntos nesta data ainda por muitos anos. Amo-te!