Raimundo Fagner acerta ao escolher “Serenatas” para tema de novo álbum

No trabalho que será lançado ainda este mês, o cearense resgata as eternas serestas que ouvia na infância e mostra seu lado dolente e sofisticado. Ele ainda traz um dueto inédito - graças a tecnologia - com Nelson Gonçalves

Legenda: Raimundo Fagner imerso em inúmeros projetos
Foto: Jorge Bispo / Divulgação

Nas décadas de 1940 e 1950, o rádio era o principal veículo de comunicação e vivia sua “era de ouro”. Ao seu redor, as famílias sentavam para ouvir os mais diversos programas que iam do jornalístico ao humor. Eram os chamados “tempos da delicadeza”, onde o amor podia ser cantado sob as janelas dos casarões em serestas apaixonadas. 

No Ceará, um dos seresteiros galanteadores era Fares Lopes, que antes de ser futebolista, saía pelas ruas encantando as donzelas nas sacadas das casas. Tudo isso era referência de seu pai, o libanês de mesmo nome, que passava o dia ao pé do rádio.

Os “Fares” eram pai e irmão de Raimundo Fagner, e foram essas suas primeiras referências musicais. Aliás, ainda na infância, seu vizinho da Rua Floriano Peixoto, no Centro de Fortaleza, era Evaldo Gouveia que iria ser um dos grandes sucessos da época fazendo parte do Trio Nagô, e depois se tornando um dos principais compositores deste país com suas músicas em parceria de Jair Amorim.

Esse conjunto de memórias do cantor parecem refletir na ideia do seu futuro trabalho. O álbum “Serenata”, que deverá ser lançado até o final de dezembro pela gravadora Biscoito Fino,  contará com parte do melhor repertório seresteiro do país e tem a produção de José Milton.

A expectativa é que o novo álbum tenha doze faixas onde irá passear bem pelo estilo musical. Dentre as canções, podem ser mencionados clássicos como “Chão de estrelas” (Silvio Caldas e Orestes Barbosa), “Deusa da minha rua” (Newton Teixeira e Jorge Faraj) compostas ainda na década de 1930 e serenatas mais modernas como “Valsinha” (Chico Buarque e Vinicius de Moraes), “As rosas não falam” (Cartola) e “Mucuripe”, a única de autoria do cearense (em parceria com Antônio Carlos Belchior), que fizeram sucesso na década de 1970.

Parceria póstuma com Nelson Gonçalves

Como prévia para os ansiosos amantes da música, Fagner lançou dois singles com faixas que antecedem o álbum. A primeira faixa que ganhou divulgação foi “Lábios que Beijei” (J. Cascata e Leonel Azevedo) em outubro deste ano. A canção é um exemplo de um dos primeiros gêneros musicais a chegar no Brasil, a valsa, e conta nessa gravação com os arranjos de Cristóvão Bastos que, ao piano, recebe o acompanhamento dos violões de João Camarero e João Lyra e do violino de Daniel Guedes.

Na gravação a seresta lhe parece suave, dolente, sensível, cabe como uma luva na sua voz, caminhando sem excesso em uma interpretação delicada, como nas antigas valsas banhadas sob à luz da lua. Fagner parece trafegar com maestria pela proposta do futuro álbum.

Não contentes com a expectativa já deixada, a gravadora lançou no último dia 27 de Novembro a faixa “Serenata”, que dá nome ao álbum, nela Raimundo Fagner perpetua, graças a tecnologia, um dueto póstumo com o maior seresteiro do Brasil, o já centenário Nelson Gonçalves.

A faixa resgata uma interpretação do nosso eterno boêmio em um disco seu de 1991, lançado em longplay pela gravadora Vinyl, e que tem objetivo semelhante ao novo trabalho de Fagner, inclusive com o mesmo título “Serenata”. A interpretação é comovente e se apresenta em forma de homenagem a Nelson, um dos ídolos do cearense.

Repertório romântico e sofisticado

Discordando ou não, a audácia nunca faltou para Raimundo Fagner, seja nos pensamentos ou nas canções. O artista sempre teve personalidade diante sua obra, não resta dúvida, e em meio a um mundo de “relações líquidas”, como já afirmava Zygmunt Bauman, cantar as serestas que eternizaram um amor gentil e platônico é de uma coragem enorme.

As duas faixas trazem um Fagner contido, dolente, ciente que o tempo passa até para as grandes vozes, mas que aos 71 anos pode se reinventar em interpretações mais sofisticadas, cantando a música feito brisa do mar que sopra as velas da praia do Mucuripe, que inclusive é outro ponto de encontro entre Raimundo e Nelson Gonçalves, no disco do veterano “Eles e eu” de 1985 lançado também pela Vinyl.

Os singles apresentam uma proposta inteligente, um “gol de placa” do cearense, que pode cantar de forma confortável a “paixão”, matéria prima de seus maiores sucessos. Em menos de um mês, teremos o álbum “Serenata” em todas as plataformas digitais, mas as faixas já lançadas nos sinalizam que um bom trabalho poderá vir, no qual Raimundo Fagner deveria se espelhar para projetos futuros. Aguardemos !