Baden Powell, entre os “Afro-sambas” e a encíclica do Papa

20 anos após a sua morte, Baden Powell segue como um dos maiores compositores mundiais, mesmo que esquecido por parte do Brasil.

Legenda: O garoto da cidade de Varre-Sai, interior carioca, reinventou um Brasil já existente, mas escondido pelas elites.
Foto: Dieter Hopf / Divulgação

Na última semana, o Papa Francisco publicou uma nova encíclica (espécie de carta) na qual fez inúmeras críticas às “injustiças sociais” provocadas pelos sistemas econômicos. O que surpreendeu a todos, e foi noticiado em todo o Brasil, é que em meio ao discurso ecoou a frase: "A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida".

O trecho mencionado pelo pontífice faz parte canção "Samba da Bênção", letra de Vinicius de Moraes. Esta música pertence a uma das ramificações do gênero chamado “samba de terreiro”, estilo que busca resgatar os elementos do candomblé baiano, tanto na presença de denominações de Orixás nas letras, como as batidas de lundus compondo a melodia.

O sincretismo brasileiro é tanto que chegou ao vaticano e causou um enorme sucesso.

O que muitos esqueceram de exaltar é que a música não tem autoria exclusiva do “poetinha”. Ela foi feita em parceria com o violonista Baden Powell, uma das figuras mais significativas dentro do cancioneiro mundial. Vinte anos após o seu falecimento, Badeco, como era chamado, mesmo sendo sinônimo de genialidade, passa despercebido diante o olhar questionador (e de curta memória) das novas gerações.

Resgate das origens culturais

O garoto da cidade de Varre-Sai, interior carioca reinventou um Brasil já existente, mas escondido pelas elites. Seu pai era chefe dos escoteiros de sua cidade, e querendo homenagear o fundador do escotismo Robert Stephenson Smyth Baden Powell, batizou assim o filho. Depois de participar de programas de calouros como Papel Carbono na Rádio Nacional, foi descoberto por Cyro Monteiro, e o samba o dominou.

As boates cariocas foram sua grande sala de aula, por vezes maior até que a própria Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, onde estudou a partir dos treze anos. Baden fincou parcerias na noite, eternizando um estilo no mínimo ousado.

“Os Afro-sambas”, disco que resgata a origem africana do Brasil, foi o maior marco dentro dos “Sambas de Terreiro” e celebrou o encontro do violonista com o poeta e diplomata Vinicius de Moraes. Letras como “Canto de Ossanha”, “Canto de Xangô”, “Lamento de Exu” fizeram parte do álbum.

O mais interessante é que a inspiração para o surgimento do estilo foram os cantos gregorianos, que para Baden remetiam as festas dos rituais de candomblé característicos dos morros cariocas. A parceria com Vininha, como o chamava, rendeu projetos futuros e sambas românticos dentre eles “Deixa”, “Apelo” e “Samba em Prelúdio”.

A renovação dentro do novo

Seguindo o caminho do violonista Luiz Bonfá, Baden Powell foi plural e não se contentou em ser o mesmo. Causando certo ciúme no poetinha, conheceu o jovem Paulo César Pinheiro em uma mesa de bar e formou então nova parceria balançando os alicerces do mercado fonográfico, até porque a dupla era a preferida da estrela Elis Regina.

Com Paulinho, os frutos foram os melhores, exemplo disso são as canções “Lapinha”, “Violão Vadio”, “Última Forma” e a icônica “Vou Deitar e Rolar”. Há quem diga que esta última foi uma resposta debochada do compositor para sua ex-esposa Tereza Drummond, separados em 1969.

Baden Powell viveu até o ano de 2000, quando morreu devido a problemas de saúde relacionados ao álcool, seu eterno e mais fiel companheiro. Mesmo assim, seu estilo apurado, detalhista e inusitado o perpetuou como um dos gênios da canção neste planeta.

Uma das grandes tristezas para os que amam a boa e eterna música é saber que compositores como ele, de linha jazzística e sofisticada, são esquecidos pelos que hoje desejam fazer som neste país.

É impossível criar um futuro sem reinventar o passado, principalmente nas artes.

Parte do Brasil pode o ter esquecido, no entanto, a história o eternizou. O reconhecimento internacional existe e se faz presente em festivais e academias de música espalhados pelos continentes mundo a fora. A prova disso é a tal menção do Papa Francisco, que aliás, pode até ter nascido na Argentina, mas ainda acho que seu coração é brasileiro. Salve, Baden Powell !