A mulher compositora e o dia da Música Popular Brasileira

Além de criadoras das canções como intérpretes, as mãos femininas escreveram parte dessa história e merecem ser mais ouvidas

Legenda: O que é importante dizer é que a data foi escolhida devido ao aniversário da Chiquinha Gonzaga, primeira mulher compositora popular do Brasil
Foto: Acervo Chiquinha Gonzaga

No dia 17 de outubro passado se comemorou o Dia da Música Popular Brasileira. Toda a semana foi celebrada com festivais e shows celebrando o gênero musical tão nosso e imensamente querido pelo mundo inteiro. Festejar esse momento em meio aoo cenário difícil que o cancioneiro no país vem passando.

O que é importante dizer, e por isso que escrevo hoje, é que a data foi escolhida devido ao aniversário da Chiquinha Gonzaga, primeira mulher compositora popular do Brasil. Falar da musicista nascida no século XIX é reavivar um dos pilares da nossa cultura, porém vale ressaltar também a mulher criadora dessa arte, não como uma intérprete feito tantas que se destacaram no nosso país.

Francisca Edwiges Neves Gonzaga foi filha de um militar com uma escrava. Criada para ser uma dama, casou aos 16 anos com um empresário. O piano e a música tocaram o seu coração de forma mais forte e ela foi uma das artistas precursoras brasileiras a romper paradigmas, inclusive com o divórcio para dedicar-se à sua paixão.

Sua obra mais famosa é a marcha “Ó Abre Alas”. Chiquinha fez e faz história! Mas muitas compositoras brasileiras ainda seguem sendo subvalorizadas pelo grande público.

COMPOSITORA MULHER?

Até a década de 1950 uma mulher ser artista era sinônimo de prostituição e malandragem. O pior ainda não é isso, somente nos anos de 1970 que o Brasil começou a tolerar mulheres compositoras, sendo estas assumindo o espírito realmente feminino e deixando de cantar músicas de dor de cotovelo com lírico masculino.

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Claro que ocorreu uma fase de transição. Na Era do Rádio, por exemplo, as mulheres começaram a cantar nas rádios e auditórios mesmo enfrentando discriminação, mas conquistaram público. É o caso das irmãs Batista, Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira e Isaurinha Garcia, que eram estrelas no Cassino da Urca, local onde, a priori, só cantavam homens.

Com os “Anos de Ouro” do Governo JK, as boates fervilhavam no País, surgia também a Bossa Nova e um pouco antes o Samba Canção. Aí destacam-se dois nomes fundamentais de mulheres que revolucionaram a composição no Brasil. A primeira, Dolores Duran, que entre parceiros escreveu “Leva-me contigo”, “Pela Rua”, “Ternura Antiga” e a famosa “Por Causa de Você”. Essa última merece ter a história contada.

Dolores Duran
Legenda: Dolores Duran em Capa de Disco
Foto: Resprodução

Mesmo que Ruy Castro, pesquisador e próximo imortal da Academia Brasileira de Letras, conteste, nutrir a lenda pode ser mais folclórico e interessante. Há quem diga, inclusive o próprio Tom Jobim, que estava ensaiando os arranjos de uma canção que Vinícius de Moraes deveria escrever a letra. Dolores escutou e, de prontidão, tirou seu lápis de olho e fez a sua versão para o maestro da composição e foi aceita.

Outro grande nome que veio a surgir nesse período foi a grande Maysa que, assim como Chiquinha Gonzaga, abriu mão de ser uma dama do luxo casada com um Matarazzo, para se dedicar a música. Puxando a fossa de dor de cotovelo do Samba Canção, deu voz às mulheres com o “Adeus”, “Resposta” e “Ouça”.

OS ANOS 1970 

Volto a dizer, apesar do país ser de cantoras, poucas compositoras vieram a ganhar destaque mostrando a força feminina nas letras e sua liberdade de escrever, se expressar e sentir sua sexualidade como algo natural. Nesse momento a grande Joyce Moreno ecoa na sua própria voz e em demais estrelas como Maria Bethânia, Gal Costa e até Elis.

Em 1980, seu álbum “Feminina” revolucionou a mulher na música usando prosseguindo caminhos já feitos em décadas anteriores, assim como Fátima Guedes e Sueli Costa. No álbum ela escrevia termos até então não ouvidos pelo público como afirmar “Meu homem”! Nos anos anteriores ela já tinha arrasado com “Essa Mulher” gravada pela Pimentinha. 

Sem Joyce Moreno, talvez não teríamos uma Rita Lee tão ativa, uma Ângela Rô Rô ousadíssima ou uma Vanusa que decidiu mudar e seguir sua cabeça. Além das outras gerações que viriam, como Paula Toller, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Marina Lima, Vanessa da Mata e tantas outras. Levando até mesmo para o homem esse novo olhar quando Ney Matogrosso esbanjou prazer em “Ardente” e a sensível "Mistérios" com Milton Nascimento.

Sempre acho estranho um homem escrevendo sobre o feminismo e principalmente dele na música, afinal só as mulheres sentem na pele o quão sangraram para romper barreiras. Ainda assim, insisto em dizer que nossas artistas fazem a história do nosso cancioneiro popular, seja cantando, interpretando, escrevendo ou cantando sons imortalizados e resta a nós, crítica e público, reverência-las.

 

 
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