Tinha então 21 anos e lá estava, naquela tarde de sábado, desfrutando do privilégio de caminhar ao lado de dois gigantes. Neófito nas rodas literárias da cidade, intimidado ante à companhia luminosa de Airton Monte e Rogaciano Leite Filho, não ousava articular uma só palavra.
Como convinha a um aprendiz, apenas os ouvia, maravilhado, a desfiarem anedotas e a trocarem ideias sobre arte e literatura, enquanto dobrávamos a esquina da 13 de Maio com Carapinima. Íamos rumo ao Quina Azul, espécie de templo sagrado etílico-cultural do bairro do Benfica.
Airton e Rogaciano eram de geração anterior à minha. Poucos anos antes, haviam lançado o manifesto do grupo Siriará, no qual propugnavam “contra o colonialismo interno do sul e a condenação regionalista da literatura nordestina”, ao mesmo tempo em que se declaravam “a favor de uma literatura sem vassalagem, nordestinagem, inferioridade”. Propunham: “Pensar e sentir o Nordeste e ter o direito de perguntar pelo Brasil”.
Foi minha primeira ida ao Quina Azul. Ali conheceria Adriano Spínola, Batista de Lima, Carlos Emílio, Geraldo Markan, Luciano Maia, Oswald Barroso, Rosemberg Cariry e tantos outros ídolos literários de minha juventude que, por generosidade, acolheram-me como testemunha anônima e silenciosa de vesperais e noitadas regadas a cerveja, música e poesia.
Ali fiz parte de minha aprendizagem juvenil como leitor e escrevinhador. Airton, que acabara de lançar Alba Sanguínea, extraordinário livro de contos, aceitou o convite para prefaciar uma coletânea de versos meus, reunidos em um folheto xerocado, ao que dei o título de Gamões e fliperamas: poemas biodegradáveis para lavar a alma e a burra. Rogaciano foi um dos primeiros a comprar um dos exemplares, vendidos de mão em mão, pelos bares e botequins de Fortaleza.
Anos depois, Rogaciano seria meu colega de redação. Ele, como um dos principais colunistas da casa. Eu, como “foca”, repórter principiante, no jargão jornalístico. Se isso para mim já era motivo de supremo orgulho, o que dizer então quando, mais tarde, tornei-me editor das crônicas diárias de Airton, datilografadas e enviadas de táxi ao jornal, em uma época pré-internet e, na verdade, até mesmo pré-fax.
“Pensar e sentir o Nordeste e ter o direito de perguntar pelo Brasil” — o mote do Siriará nunca me saiu da cabeça e do campo de propósitos como jornalista e escritor. Particularmente agora, quando morando longe do país sou convidado a retomar minhas colaborações para o Diário do Nordeste, onde iniciei a carreira como revisor.
Evoé, mestre Airton! Evoé, mestre Roga!