O Brasil voltou — e eu estou preparando minha volta ao Brasil. A decisão, tomada e amadurecida nos últimos meses, ganhou maior convicção e solidez no domingo. A cena, belíssima, de uma criança negra da periferia, uma mulher também negra e catadora, uma pessoa com deficiência, um metalúrgico, um jovem professor, uma cozinheira, um artesão e um líder indígena subindo a rampa do Palácio do Planalto, de mãos dadas ao presidente da República, convenceram-me do acerto da resolução.
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Se há algo que devemos ser gratos ao infame Bolsonaro é o fato de ele ter fugido do país e se recusado a passar a faixa presidencial ao sucessor. Ao se escafeder, de forma pusilânime e descortês, deixou o caminho livre para que fosse realizada a mais alegre, emocionante e significativa solenidade de posse de nossa história republicana.
Estava encarnada ali, na quebra à rigidez do protocolo, a crença e a confiança no estabelecimento de um país mais inclusivo, mais colorido e atento às diferenças, mais vigilante na luta contra todo tipo de desigualdade, preconceito e injustiça.
Sei que os próximos anos serão intrincados. Não será nada fácil reconstruir uma Nação por sobre o cenário de terra arrasada deixado pelo último quatriênio. Viveu-se uma destruição generalizada, particularmente em áreas sensíveis como meio-ambiente, saúde, educação, cultura, ciência, programas sociais. Para onde se olhe, a paisagem é de ruína. Queimadas criminosas na Amazônia, garimpo ilegal em áreas indígenas, desmonte no programa de vacinação, escolas e universidades sucateadas, criminalização da arte, anti-intelectualismo, negacionismos, miséria, fome.
Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe — ela própria também plural, marcada pela diversidade — terão um desafio descomunal pela frente, que envolverá negociações, paciência, tenacidade, percalços. Mas os primeiros minutos do novo governo já se mostraram auspiciosos. Antes de dar posse ao ministério, Lula assinou uma série de medidas tão urgentes quanto indispensáveis.
Entre elas, a redução do acesso indiscriminado às armas, o combate ao desmatamento, o fim da segregação educacional de pessoas com deficiência, a manutenção dos mecanismos de redistribuição de renda, um freio à privataria desenfreada e — bolsonarentos, tremei! —, a reavaliação dos sigilos de 100 anos sobre desmandos na administração pública.
Enquanto escrevo esta crônica, estou às voltas com a tarefa de encaixotar livros, desmontar o apartamento aqui em Portugal, ultimar documentos, providenciar morada em São Paulo. Em breve, estarei de volta. Tenho novos livros e crônicas a escrever, novas aulas a ministrar, novos afazeres a assumir. Vou com ânimo e fôlego redobrados.
Quero dar minha modesta contribuição, na medida de minhas possibilidades e limitações, para o esforço coletivo que a história está a exigir de todos nós, brasileiros comuns, que acreditam não haver mais lugar para o ódio, a grosseria, a belicosidade e a estupidez investida no poder máximo da República.
O Brasil voltou. E eu, aguardem-me, chego já.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.