Sempre afirmei detestar o calor. Dizia adorar o frio, a sensação de sair à rua como se um imenso aparelho de ar-condicionado estivesse ligado lá fora, à toda potência. Abominava a quentura, o mormaço, o bafo quente dos dias de sol intenso. Pois sim. Mudei de ideia. Radicalmente.
Ao enfrentar mais um inverno europeu – o meu quinto consecutivo por aqui e, de acordo com os meteorologistas, o mais gélido dos últimos 100 anos –, morro de inveja de vocês aí no Brasil, que andam se queixando da canícula do verão tropical.
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Aqui, em Portugal, um dos países de maior pobreza energética do continente, a situação é crítica. As casas e apartamentos não estão preparadas para o frio – e nem para o calor, ressalte-se. Congela-se no inverno; sufoca-se no verão. Com a crise climática, isso só tem piorado, é evidente.
Por vezes, nos meses de frio, sofre-se mais dentro do que fora de casa. Além do desconforto térmico, a umidade toma conta dos lares. Manchas de bolor se insinuam pelas paredes, o mofo prolifera no teto, os fungos não pedem licença para se instalar, feiosos e ameaçadores às vias respiratórias, nas varandas, áreas de serviço, revestimentos externos.
Aquela belíssima expressão que usamos no nosso ressequido Ceará, para definir os dias nublados e prometedores de aguaceiros benfazejos – tempo “bonito de chuva” –, não faz o menor sentido por cá.
No norte de Portugal, onde moro há quatro anos e os dilúvios são corriqueiros, a chuvarada é um estorvo sem fim.
São chuvas com vento inclemente, daqueles de enregelar cada centímetro do corpo, rachar lábios, despedaçar guarda-chuvas, derrubar galhos de árvores. Quando cheguei, cearense destreinado em terras ibéricas, olhava para o céu cor de chumbo e, matuto assumido, sobrevinha-me uma atávica sensação de conforto. Qual o quê...
Mesmo em dias de céu azul e limpo, como os que têm feito na última semana, o alívio é ilusório. Com alguma sorte, as temperaturas máximas ficam pouco acima dos 10 graus – e o alerta amarelo das autoridades continua ativo. Os jornais já avisam que, ainda nesta semana, as mínimas glaciais vão voltar, em algumas regiões do país atingindo níveis abaixo de zero.
Não à toa, escrevo esta crônica de gorro, casaco e cachecol, a caneca de chá quente ao lado, bem ao alcance da mão. Ainda assim, tremo de frio. Tirei as luvas grossas de lã apenas porque elas são incompatíveis com o teclado do computador.
Não vejo a hora de retornar ao Brasil, pegar o final do verão, colocar uma bermuda e me juntar ao coro dos muitos amigos daí que andam praguejando contra o tempo escaldante. Então talvez até sinta falta desse frio de doer os ossos, da chuva que alaga tudo, do nevoeiro que muitas vezes quase me fez bater o carro por não discernir um mísero palmo à frente do para-brisas.
Mas, por enquanto, o que mais quero mesmo são dias quentes, tardes tórridas, noites abafadas – um calor do cão.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor