Entre tantas mudanças, o desejo não é de que as coisas voltem a ser como antes, mas que a memória do bairro comercial seja mantida e que o local seja mais ocupado e seguro
Até a minha adolescência, lembro-me de ir com a minha mãe (algumas vezes com o meu pai) ao Centro de Fortaleza. Do Terminal da Parangaba, partia no ônibus Parangaba/João Pessoa rumo ao bairro comercial. Fosse para a compra de material escolar, que incluía uma boa pechinchada pela Praça dos Leões, ou para a compra de roupas no fim de ano, o passeio sempre incluía uma ida à Pastelaria Leão do Sul.
Naquela época, eu não tinha dimensão do que aqueles momentos representariam para a Ingrid adulta. Hoje, percorrendo as ruas do Centro de Fortaleza a trabalho, sinto conforto ao ver vivas algumas das lojas que representam um pedaço físico, vivo, da minha infância. Por outro lado, lamento pelas que fecharam, levando consigo empregos e um pedaço da história do bairro comercial.
A debandada de grandes varejistas em meio às problemáticas que o Centro de Fortaleza enfrenta é apenas uma das muitas mudanças que a região vivenciou ao longo do último século. Na verdade, essa debandada não se trata exatamente de algo novo, pois a descentralização do comércio para outros bairros já ocorre há alguns anos - o que posteriormente foi fortalecido com a chegada dos shoppings - conforme relata o historiador Tião Ponte, autor do livro Fortaleza Belle Époque.
"Antes da advinda dos shoppings, vários bairros já estavam ganhando autonomia infraestrutural com a instalação de lojas, armazéns, farmácias. A partir dos anos 70, os shoppings começam a despontar nos bairros ricos e o Centro vai se tornando por excelência num bairro de comércio de perfil mais popular, inclusive com o extraordinário boom do comércio ambulante ocupando todas as calçadas, praças e ruas do Centro”, explica o historiador.
Sobre o momento do qual Tião Ponte fala, anos 70, ouço do meu pai desde a minha infância. Ele, que trabalhou durante algumas décadas no Centro de Fortaleza, também guarda, da maneira dele, carinho pelo local. Não canso de achar extraordinário e dizer a todos que ele sabe de cor e salteado todas as ruas do Centro. Lista de uma por uma, da esquerda para a direita, e depois de cima para baixo, cada logradouro.
Meu pai chegou a viver a época da vida noturna no Centro, quando os cinemas funcionavam. Demandas de “varejistas, urbanistas, arquitetos e sociólogos” apontam, conforme Tião Ponte, para a necessidade de qualificar o bairro por meio do retorno das residências. Ele acredita que a situação do local é “preocupante e carece de amplos debates, projetos e políticas públicas”.
Assis Cavalcante, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza, se diz “uma voz que clama sozinha no deserto” quando se trata de pedir políticas públicas para o bairro comercial e reforça a necessidade de que seja resolvida a questão da moradia no bairro comercial. Ele teme que outras grandes varejistas deixem o bairro.
Sendo retomado ou não o povoamento do Centro por meio das moradias, o que se espera é que a memória do Centro de Fortaleza seja mantida. Que as pessoas possam ocupar esse local que é um ponto tão importante quando se trata da história da nossa cidade e que, assim como eu pude, que possam produzir boas lembranças do bairro.
Que consigam levar os filhos na Pastelaria Leão do Sul, no Museu do Ceará, no Natal de Luz fim de ano e fazer outras atividades que possam ser criadas para valorização da cultura local. Que o Centro viva, na nossa memória, mas não apenas nela.