Greve reduz liberação de mercadorias importadas e consumidor pode pagar mais caro

A greve realizada pelos auditores-fiscais da Receita Federal teve início no dia 20 de novembro

Legenda: Greve impacta importações e exportações, podendo encarecer os preços de produtos consumidos internamente
Foto: Camila Lima

Uma greve realizada pelos auditores-fiscais da Receita Federal pode encarecer os preços de produtos consumidos internamente. Isso porque mercadorias importadas estão ficando retidas em portos em meio ao movimento, o que acarreta custos que devem ser repassados pelos importadores, chegando ao consumidor final.

O presidente do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Ceará (Sindace) e presidente do Grupo Amora Despachos Aduaneiros, Sergio Amora, explica que greve impacta exportações e importações.

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O impacto maior teria sido sobretudo na última quinta (30), dia do chamado "Canal Vermelho", anunciado pelo Sindicato dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Sindifisco). O "Dia do Canal Vermelho" é quando há verificação física e documental das cargas.

Ele afirma que, em um dia de movimento normal, o percentual de cargas liberadas em canal de parametrização verde varia entre 85% a 95%. "Desde o início da greve esse percentual caiu para algo em volta de 80% e no dia de hoje [quinta-feira (30)], por medo em consequência a ameaça, apesar da minha explicação, o número de registros caiu assustadoramente, o que vai provocar congestionamento".

Sergio Amora pondera que, apesar de o percentual de 15% parecer pouco, isso representa "um volume de carga enorme". "Já está causando graves congestionamentos de vários e portos", enfatiza.

Para o presidente do Sindace, o dia representa maior custo ao comércio exterior. "Existe maior demora nas liberações e consecutivamente maior custo ao Comex, pois envolve análise documental e física, o que gera operação de movimentação da carga com desova, conferência, ovação e ou carregamento, armazenagem e em vários casos demurrage, que é o aluguel do container".

É esse descompasso, gerando custos mais elevados, que pode causar aumento nos preços de produtos importados e que são consumidos internamente. "As margens no comércio global são apertadas, não existe 'gordura' para assimilar esses custos extras. Os aumentos são repassados integralmente ao preço final, o consumidor é sempre o maior prejudicado".

Andrea Aquino, advogada e secretária-geral da comissão de Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), detalha que a iniciativa representa "colocar as mercadorias para conferência física e documental sem motivação, o que é até ilegal e prejudica o fluxo do comércio exterior".

A advogada lembra que, hoje, o prazo para despacho é de oito dias, mas devido às greves as cargas podem ficar paradas por 30 dias. “São custos elevadíssimos. O demurrage, por exemplo, chega a ser US$ 150 por dia”.

Entenda a greve

A greve realizada pelos auditores-fiscais da Receita Federal é em razão, segundo a categoria, da reivindicação do cumprimento integral do Plano de Aplicação do Fundaf e alterações no texto do Decreto 11.545/2023, para pagamento do bônus de eficiência, acordado pelo Governo Federal em 2016.

De acordo com o próprio Sindifisco Nacional, a primeira semana da greve, com atos públicos em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, teve adesão de mais de 400 auditores. "No âmbito judicial, a categoria obteve a primeira vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), diante da ação imposta pela Receita Federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU)", diz nota no site da entidade.

A Receita Federal publicou no último dia 22 uma nota de esclarecimento sobre a greve. O texto diz que, em 4 de setembro deste ano, "o ministro da Fazenda e o secretário especial da Receita Federal do Brasil pactuaram com os sindicatos um prazo de até 3 meses para a conclusão desse procedimento, ou seja, até o início de dezembro de 2023", mas que mesmo assim os auditores iniciaram a greve para o dia 20 de dezembro, "antes do prazo pactuado, portanto".

"No dia 14 de novembro, o ministro da Fazenda e o secretário da Receita tiveram nova reunião com ambos os sindicatos, reiterando o compromisso de conclusão do procedimento até o início de dezembro. Ainda assim, os auditores mantiveram a greve a partir do dia 20 de novembro", diz a nota.

A nota também destacou o contato constante com o sindicato e com a presidência do Carf, reiterando o respeito ao direito de greve, "mas salientando que ele não é absoluto, não podendo prejudicar a continuidade de serviços públicos essenciais, devendo manter um percentual mínimo de serviço em todas as unidades".

"No próprio dia 20, o secretário da Receita anunciou, por lealdade, ao Sindicato, o ajuizamento da judicial, reiterando o direito a greve, mas resguardando a continuidade mínima dos serviços públicos essenciais, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal. No dia 21 de novembro, o secretário encontrou-se com servidores protestando acerca do bônus, e reiterou que haveria solução da questão até o início do mês de dezembro, conforme acordado e reiterado com o Ministério. Nunca houve tratativas com associações de servidores, apenas com os sindicatos oficiais", acrescenta o texto.

Esta coluna voltou a procurar o Sindifisco e a Receita Federal para um posicionamento sobre o congestionamento e o aumento dos custos para os importadores. A Receita respondeu que "não vai comentar".

Já o Sindifisco respondeu à coluna com uma declaração do presidente nacional da entidade, Isac Falcão, reproduzida abaixo na íntegra:

"Se por um lado os efeitos imediatos da greve assustam, por outro eles são irrisórios perto das mazelas já sentidas há anos pela população brasileira frutos do desmonte que a Receita Federal vem sofrendo. Por exemplo, o atraso em julgamentos no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) causado pela greve não se compara ao prejuízo que a demora de 10 a 15 anos dos julgamentos na instância administrativa causam aos cofres públicos. O mesmo ocorre nas fronteiras, que sofrem com um dos menores contingentes de servidores aduaneiros no mundo.

Uma política de pessoal caótica, que nos últimos anos não respeitou acordo positivado em lei, insere-se em um quadro de desmonte institucional da Receita que acaba por afetar negativamente a saúde da população, a economia e a segurança pública. A greve procura estabelecer as bases para a reconstrução do órgão e para a mitigação desses efeitos".



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