Cultura coreana ganha força no Ceará e impulsiona novos mercados
Na esteira da globalização, o gosto pela música e pelas produções audiovisuais coreanas atraíram os olhos do varejo local
Na Avenida Desembargador Moreira, no bairro Meireles, em Fortaleza, um simpático mercado parece compilar em poucos metros quadrados toda a "cearensidade" possível. À venda estão isqueiros, cortadores de unha, cuscuzeira e também frutas. O nome do estabelecimento arremata a descrição: minimercado “Bempertim” - mais tupiniquim, impossível.
Do outro lado do muro, no mesmo pátio comercial, outra loja chama a atenção: fachada amarela, palavras no alfabeto coreano e um grande pôster da boyband sul-coreana BTS, fenômeno mundial que caiu no gosto do brasileiro. Se trata do Uri Mercado Coreano, que chegou ao Ceará quando a cultura asiática no Nordeste ainda se limitava a China e Japão, lembra a coreana Elisa Lee, proprietária do empreendimento. “A nossa relação com os vizinhos é muito boa. Eles me dão cuscuz”, diz, sorrindo.
O que motivou a vinda de Elisa com a família para Fortaleza foi a construção da antiga Companhia Siderúrgica do Pecém (hoje ArcelorMittal Pecém). “A minha família é toda de comerciantes e, quando soubemos da construção, quisemos vir para cá para que os coreanos pudessem matar a saudade de casa”.
“Naquela época, o nosso público era bem específico, eram os próprios coreanos. Raramente vinha brasileiro. Quando vinha brasileiro, eles ficavam impressionados por existir um mercadinho coreano”, detalha Elisa.
Antes da mudança para o Meireles, aonde a mistura do Ceará com a Coreia se intensificou, o mercado coreano ficava no Cumbuco, mais próximo da siderúrgica. O público consumidor era 95% coreano e os 5% restantes se dividiram entre brasileiros e outros estrangeiros.
Os k-dramas, popularizados a partir dos streamings nos últimos anos, atiçaram a curiosidade dos cearenses pelas comidas da Coreia, catapultando a demanda e consagrando alguns itens, como o kimbap (receita de arroz, legumes e carne que se assemelha a um sushi), que aparece em Uma Advogada Extraordinária. Hoje, 90% dos clientes que vão à loja de Elisa são brasileiros.
Questionada sobre quando essa proporção começou a inverter, ela detalha que, primeiro, começou com a popularização da música coreana. “Metade depois do BTS e a outra metade quando assistiram os doramas. Eles querem tudo que aparece lá; cerveja, doce, tudo. Mostram a foto e eu sempre tento providenciar tudo por eles”.
Entre os itens mais procurados estão o Melona, que é um picolé de melão, e as cachaças coreanas, que aparecem “em praticamente todos os doramas”.
Para além do varejo alimentício
Positiva para os negócios, Elisa detalha também que o fortalecimento da cultura coreana no Ceará a deixa “muito feliz”. Nos últimos anos, além de lojas de produtos coreanos, restaurantes temáticos também ganharam força, além de até os supermercados terem ganhado seções dedicadas aos alimentos coreanos.
A skincare coreana (cuidados com a pele seguindo tendências e produtos da Coreia do Sul) também já é um fenômeno localmente, onde já é possível consumir marcas coreanas como Banilla Co., por exemplo.
“A cultura japonesa era bem mais forte, a imigração japonesa é bem mais antiga. Quando se via um asiático na rua, achava que era japonês. Na Ásia não existe só o Japão, há vários outros países. Graças a essa expansão, as pessoas agora sabem disso”.
Para o empresário Rodolfo Leitão, o negócio nasceu a partir da paixão das filhas por produtos coreanos. “A ideia foi inspirada nas minhas filhas, que toda vez que eu viajava a trabalho para São Paulo elas pediam para eu trazer produtos coreanos. Quando eu chagava de viagem com os produtos, elas faziam a festa. E foi aí que, estudando o mercado, vimos uma oportunidade de proporcionar essa experiência por aqui, que foi acolhida com tanto carinho pelos cearenses”, diz.
Da situação nasceu a Korea Space, em julho do ano passado, no RioMar Fortaleza. No fim de 2024, foi a vez do RioMar Kennedy receber uma unidade. A loja tem como principal referência os itens coreanos, mas também trabalha com outros elementos “que valorizem ainda mais a essência asiática”.
Nesse contexto, o k-pop e os k-dramas foram cruciais. “Essa popularidade dos k-dramas e K-pop impulsionou muito o interesse pelos nossos produtos. Notamos uma busca crescente o que nos mostra que estamos no caminho certo”.
No negócio, o Melona também é uma das grandes atrações. “Soju, sorvetes de Melona e Samanco e balas azedas estão entre os mais procurados. Na parte de doces, temos chocolates exclusivos. Além de bebidas diferenciadas, que você só encontra na Korea Space. Também temos os itens de papelarias que são um sucesso, como cadernos, canetas e canetinhas. Artigos que fazem a diferença de quem gosta de personalizar o seu dia a dia”.
Em janeiro deste ano, será a vez do Shopping Parangaba contar com uma unidade da loja.
Música e produções audiovisuais
O professor de Master in Business Administration (MBAs) da Fundação Getúlio Vargas Léo Morel contextualiza que, historicamente, o Brasil é um ávido consumidor de bens culturais provenientes dos Estados Unidos, "como filmes, séries e música, resultado de estratégias de marketing extremamente eficazes implementadas pelos agentes de mercado desse país".
“O consumo de bens culturais sul-coreanos no Brasil é um fenômeno relativamente recente e inédito, o que representa uma novidade no cenário cultural nacional e chegou a gerar demanda por parte de alunos da rede pública para aprender o idioma coreano”, destaca Morel.
De acordo com o último Relatório de Engajamento da Netflix, quase um terço de todas as visualizações no streaming é de conteúdos em outros idiomas (que não são o inglês). Títulos da Espanha e da Coreia lideram. A produção Rainha das Lágrimas teve 29 milhões de visualizações no primeiro semestre do ano passado.
Morel pontua que a difusão da cultura sul-coreana é resultado de uma reestruturação das políticas audiovisuais e da expansão do setor, "baseada em políticas de investimento público voltadas para a economia criativa".
Para o professor, o fenômeno mundial dos k-dramas está ligado às narrativas abordadas nas produções, comuns não só na cultura sul-coreana, como finanças, crises imobiliárias, desigualdades de classe e bullying. "Essas temáticas geraram um sentimento de reconhecimento por parte dos telespectadores".
“No cenário musical, artistas do K-pop têm conquistado cada vez mais espaço no Brasil, com shows marcados para 2025. Grupos como Stray Kids, Taemin e KARD. Além disso, no universo do audiovisual, séries como "Round 6" têm alcançado grande notoriedade e difusão, cativando o público brasileiro e consolidando a popularidade da cultura sul-coreana”, avalia Morel.
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