De apagões a fraudes: Enel mistura descaso com a população e desafio às autoridades

Novas denúncias evidenciam a necessidade de providências urgentes e debate sobre renovação da concessão

Escrito por
Inácio Aguiar inacio.aguiar@svm.com.br
(Atualizado às 11:11)
Legenda: Autoridades estão conclamadas a tomarem providências, sob pena de conivência
Foto: Thiago Gadelha

A notícia recente de que a Enel Ceará foi multada em R$ 16 milhões por reter parte de doações feitas por clientes a entidades filantrópicas é pior do que uma infração administrativa. É, na verdade, um retrato de uma crise que mistura descaso com a população e desafio às autoridades do Ceará e do Brasil.  

A distribuidora de energia, já alvo constante de críticas da sociedade por sucessivas falhas no fornecimento, agora mergulha num episódio que beira o escândalo: o uso indevido de valores que deveriam ser direcionados a entidades filantrópicas, além de possíveis descontos indevidos nas faturas. 

Não é a primeira vez que a Enel ocupa o centro das atenções negativas. A companhia enfrentou uma CPI na Assembleia Legislativa do Ceará, com ampla repercussão política, que resultou na troca do seu comando, embora o relatório final não tenha levado a punições necessárias.

Desconto sem consentimento 

O caso envolve a cobrança de valores em nome de doações para entidades mesmo sem o consentimento dos consumidores. Em um dos episódios, uma servidora pública viu a conta de luz saltar com “doações” que jamais autorizou, totalizando R$ 900. E não foi caso isolado, mostra o Diário do Nordeste. 

Pior: a Enel empurrou para os consumidores a responsabilidade de negociar diretamente com as associações para suspender os descontos, uma via crucis para o já sofrido povo cearense. Uma manobra que soa abusiva, por se tratar de transferência de responsabilidades e omissão. 

Ao alegar que o controle das adesões era de responsabilidade das entidades filantrópicas, a Enel tenta se eximir de um dever básico: garantir a transparência e a legalidade das cobranças feitas em suas faturas. A prática compromete a credibilidade do sistema de arrecadação e fere frontalmente os direitos dos consumidores. 

Diante disso, cabe uma pergunta incômoda, mas necessária: estamos diante de um novo escândalo de fraudes em massa, à semelhança do que se viu em casos como os descontos indevidos no INSS?  

E o poder público? Vai cruzar os braços? 

A multa aplicada pelo Decon é um passo importante, mas já se mostrou insuficiente. É preciso ir além: garantir a devolução integral dos valores, investigar responsabilidades civis e criminais, e, sobretudo, discutir a continuidade da concessão da Enel no Ceará.

O contrato, que está prestes a se encerrar e rege a prestação de serviço público, deve servir ao interesse da população, e não às práticas abusivas de uma empresa que dá mostras de descaso. 

É hora de as autoridades cearenses e federais assumirem o protagonismo que o momento exige, sob pena de conivência. A população já entendeu a gravidade do problema. Resta saber se o Estado brasileiro, por meio de seus órgãos de regulação e controle, fará o mesmo.