Em uma sessão tumultuada na semana passada, o plenário da Câmara Municipal de Fortaleza, por maioria apertada, 17 a 16, derrotou um projeto do vereador Carmelo Neto (Republicanos) que solicitava a realização de uma sessão solene para homenagear o Movimento Ceará Livre na Casa.
O conhecido embate entre base e oposição, comum no dia a dia, entretanto, ficou em segundo plano diante de uma polêmica sobre o processo de votação digital no Legislativo Municipal e sobre o qual o comando da Casa ainda deve explicações, para a preservação da legitimidade dos trabalhos.
Em meio à votação do requerimento, uma série de problemas se apresentou e levantou suspeitas sobre a legitimidade do voto dos parlamentares - inviolável, de acordo com a Constituição Federal.
A primeira polêmica foi em relação ao voto da vereadora Tia Francisca (PL). O primeiro resultado da votação trouxe o voto da parlamentar, mas em sequência, esse voto foi retirado, pois havia sido computado por engano pela Mesa Diretora, naquele momento dirigida pelo vice-presidente Adail Júnior (PDT) e secretariada pelo vereador Pedro Franca (PSB).
Após a votação, a vereadora apareceu virtualmente na sessão para dizer que não havia votado, e rebater críticas de colegas da oposição.
Além disso, houve uma confusão no voto do líder da oposição, Márcio Martins (Pros), que, segundo o parlamentar, foi corrigido ainda em meio à votação. Outra reclamação foi em relação ao voto do vereador Fábio Rubens (PSB) que, segundo a alegação, não havia sido computado.
Presidente chega às pressas
Ainda na sessão, vereadores de oposição questionaram o resultado final. Em meio aos debates, o presidente da Casa, Antônio Henrique (PDT), teve que assumir os trabalhos para falar sobre o assunto. E foi quando ficou mais claro o que estava acontecendo.
O sistema de votação digital da Casa permite que o membro da Mesa Diretora compute o voto pelos parlamentares, o que, de uma forma ou de outra, levanta dúvidas sobre a garantia de inviolabilidade e o caráter intransferível do escrutínio parlamentar.
Antônio Henrique, na hora, determinou, para evitar polêmicas futuras, que a Mesa Diretora não procedesse mais o voto pelos parlamentares, mesmo que o sistema permitisse essa possibilidade.
A providência, tomada às pressas, entretanto, reforçou as suspeitas sobre o processo de votação que vem sendo utilizado desde o início da pandemia.
Uma suspeita que, pelo bem do Legislativo Municipal e dos trabalhos da Casa, precisa ser esclarecida sob pena de macular o processo legislativo e por em xeque votações importantes já feitas pelo Legislativo desde o ano passado.
Escândalo do painel
Há 20 anos, em 2001, o então presidente do Senado e do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães, teve de renunciar ao posto e ao cargo de senador para preservar os direitos políticos por conta do escândalo da violação do painel eletrônico do Senado.
Naquele momento, uma investigação começou após, em uma conversa com o então procurador da República Luiz Francisco de Souza, o senador ter insinuado ter tido acesso a como votaram os senadores na sessão que cassou o mandato de Luiz Estevão. Nestes casos, o voto dos parlamentares é secreto.
Após embates políticos e investigações, ficou comprovada a violação do painel, o que culminou com a renúncia do parlamentar, um dos principais articuladores do Congresso Nacional à época.
O caso do Senado revela apenas acesso aos votos computados individulmente pelos parlamentares. No caso ocorrido na Câmara Municipal na semana passada, ficou claro que um parlamentar na Mesa diretora consegue computar o voto por um colega.
É mais do que necessário que a Mesa Diretora explique melhor o assunto e que a Câmara tome providência imediata para garantir a inviolabilidade do voto parlamentar.