Já conversamos várias vezes sobre como a localização de Fortaleza é privilegiada no sentido de permitir ligações equidistantes com Estados Unidos (América do Norte) e Europa, por exemplo. Ademais, comentamos que Fortaleza pode-se ligar a esses países através de aeronaves narrowbodies (um corredor) como o Boeing 737-Max e o Airbus 321 LR e XLR. É das poucas capitais que consegue se ligar a ambos os continentes com aeronaves mais leves e de menores custos de operação.
Explicaremos mais uma vantagem competitiva da capital cearense à luz da legislação brasileira que rege as jornadas de trabalho dos tripulantes no Brasil e quantidade destes em cada voo: a Lei do Aeronauta (Nº 13.4750), de agosto de 2017.
Deixamos claro que a lei acima se aplica para companhias e tripulações brasileiras.
É que, dada a maior proximidade do Ceará com o hemisfério norte, a legislação acima acaba permitindo que voos internacionais de Fortaleza ocorram com menor número de tripulantes para determinados destinos e, com o mesmo número de tripulantes que outras cidades brasileiras, o voo consiga ir mais longe, partindo de Fortaleza.
Como assim? Pelos artigos da Lei do Aeronauta, alguns deles nós conheceremos, um voo entre Fortaleza e Lisboa pode ser realizado com apenas 2 pilotos e 5 comissários, por exemplo. O mesmo voo decolado de Guarulhos precisa ser realizado com 3 pilotos e 7 comissários.
Casos concretos
Com dois voos internacionais da Latam com destino a Guarulhos, mas que alternaram (foram desviados para Fortaleza) buscaremos ilustrar didaticamente essas vantagens amparadas na Lei do Aeronauta. Conseguiremos com isso conhecer os tipos de tripulação e a contagem de número mínimo de tripulantes.
O primeiro desses voos foi o LA-8115, proveniente de Barcelona, ocorreu em janeiro de 2022, época em que a terrível Covid-19 estava em declínio. A aeronave empregada foi o Boeing 767-300.
O 2º voo foi o LA-715 de Madri para Guarulhos. Ocorreu no dia 12 de novembro deste ano. A aeronave era o supermoderno Boeing 787-900.
Nenhum desses eventos teve relação com falhas diretas das aeronaves em voo ou das tripulações.
Barcelona-Guarulhos
O trecho de Barcelona para Guarulhos dura cerca de 11 horas, aproximadamente 12 horas de jornada, o que estabelece que o trecho deveria ser realizado por tripulação dita composta.
O artigo 31 estabelece o número de horas efetivamente voadas que as diversas tripulações podem realizar:
I - 8 (oito) horas de voo (...), na hipótese de integrante de tripulação mínima ou simples;
II - 11 (onze) horas de voo (...), na hipótese de integrante de tripulação composta;
III - 14 (catorze) horas de voo (...), na hipótese de integrante de tripulação de revezamento;
Relacionado ao artigo acima, a tripulação composta é a junção de uma tripulação simples adicionada de mais alguns tripulantes. A tripulação simples é a comumente utilizada nos voos comerciais domésticos no Brasil:
Art. 15. Tripulação simples é a constituída de uma tripulação mínima acrescida (...) dos tripulantes necessários à realização do voo:
- Comandante, Co-piloto; (Geralmente, a dupla é a tripulação mínima acima assinalada)
- 2 (ATR) ou 3 (E-195 Embraer) ou 4 (Airbus 320, Boeing 737-800) ou 5 (Airbus 321) Comissários de voo;
Logo o LA-8115, que operara com tripulação composta (Art 16 da Lei) teria a bordo:
- Comandante + Co-Piloto + 2º Comandante (Trip Composta) = 3 Pilotos
- 6 Comissários + mínimo de 25% de 6 = 6 + 2 = 8 Comissários
Acontece que antes do início da jornada dos 11 tripulantes, um dos pilotos testou positivo para Covid-19 e não pôde seguir viagem.
Portanto, contavam-se apenas 2 pilotos, ou seja, tripulação simples (Art 15). Dessa forma, o tempo máximo de voo cai de 11h para 8h, artigo 31 acima.
Logo, não se poderia atingir Guarulhos nesses termos, porém se chegava em Fortaleza, onde a Latam possui uma estrutura emergente de conexões domésticas.
Assim, voando até Fortaleza, a Latam conseguia não cancelar o voo e já trazer os passageiros de Barcelona ao Brasil, onde a estrutura de voos existente era muito melhor para levá-los até seus destinos.
Portanto, o LA8115 nos mostra que um voo da borda leste da Espanha para Fortaleza com tripulação simples é possível de acontecer, utilizando-se relevante menor quantidade de combustível do que o voo até Guarulhos.
Assim, a Latam conseguiria manter um voo sistematicamente entre, por exemplo, Fortaleza e Madri (centro da Espanha) com tripulação simples e menor quantidade de combustível, o que representa dois vetores de menores custos.
Com o esclarecimento do que houve no 1º voo, já entendemos o que é uma tripulação simples, composta, e os tempos máximos de voo que cada uma pode perfazer. A tripulação composta é utilizada quase sempre em voos internacionais, com exceção de voos domésticos em que haja intercorrências como atrasos não previstos.
Para aprender sobre o outro tipo de tripulação, a de revezamento, voo entre Campinas e Paris, por exemplo, veja o artigo 17 da Lei do Aeronauta.
Madri-Guarulhos
Com o voo LA 715, vamos aprender que as tripulações também são impactadas não apenas pelo tempo efetivo de voo, mas pelo tempo total de jornada de trabalho, que é o tempo total entre a apresentação no aeroporto de origem e saída do aeroporto de destino.
Para o tempo total de jornada para cada uma das tripulações, recorre-se ao artigo 36 da Lei do Aeronauta.
O voo LA 715 entre Madri e Guarulhos estava programado para sair às 22h40 (horário espanhol) no último dia 12/11/2023. Partiu, porém, apenas à 01h17 de Madrid, com quase 3h de atraso.
Somado às quase 10h de viagem, faria com que, caso a tripulação composta presente seguisse até Guarulhos, ‘regulamentasse’, ou seja, estourasse o número de horas máximas de jornada de trabalho estipulada no artigo 36, inciso II, que é de 12h.
Alternativamente, o voo fora desviado para Fortaleza, evitando o cancelamento deste em Madri. No Pinto Martins, a aeronave que realizara o voo, Boeing 787-900, foi assumido por outra tripulação e a levou até Guarulhos.
Os passageiros vindos de Madri para Fortaleza foram resgatados algumas horas depois por um Boeing 777-300, vindo de Guarulhos especificamente para a missão, a maior aeronave da Latam.
“A Latam Brasil informa que o voo LA715 do último domingo (12/11), que fazia a rota Madri-São Paulo/Guarulhos, precisou ser desviado para o Aeroporto de Fortaleza para que a tripulação do voo não excedesse o limite permitido de horas de trabalho. A aeronave foi trocada, assim como assumida por uma tripulação brasileira. A companhia esclarece que os passageiros afetados foram reacomodados no voo LA9299 (Madri-Fortaleza-São Paulo/Guarulhos) desta segunda-feira (13/11), que decolou às 12h40 (hora local)”.
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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.