Sim, ainda há pessoas da área médica que apoiam Bolsonaro, apesar de todo o atentado que aquele tem feito à saúde pública, assim como há pessoas que perderam entes queridos por falta de uma vacina, mas consideram o presidente ótimo. Já tenho me ocupado bastante em reverter a paixão de alguns, mas hoje eu preciso me dirigir ao amigo jurista que apoia Bolsonaro.
Todo dia que Deus dá – acredite, pesquisador do futuro – eu leio um advogado, uma juíza, um promotor ora negando os erros de Bolsonaro, ora apoiando um golpe do atual presidente. São bacharéis. Em Direito. Negando os fatos e ou negando a democracia. Alguns adaptam o discurso ao sabor dos fatos, apaixonados data maxima venia que estão.
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Precisaram editar o que diziam quando a Covid deixou de ser gripezinha e virou pandemia, quando a vachina virou vacina, quando o centrão passou a ser necessário para governar, quando a corrupção de filho passou a ser desimportante, quando político pôde ser de estimação, quando impeachment passou a ser golpe.
Mas em que pese o cansaço que todo brasileiro que não apoia o presidente sente, aqui vai uma nova tentativa de usar o Direito a favor do Brasil, aproveitando-me do fato de que sou bem relacionado com a classe.
Em entrevista ao Programa Alerta Especial (do antivacina já vacinado, do negacionista já contaminado e do bolsonarista não arrependido Sikêra Junior), nesta sexta 23 de abril, o atual mandatário do Executivo nacional, para além de aleivosias homofóbicas e gracejos xenofóbicos, deixou muito claro que já tem um plano para usar as forças armadas se governadores e prefeitos mantiverem o lockdown e toque de recolher, dentre outras medidas restritivas, evocando, para justificar o que diz, o art. 142 da CF/88.
Nas palavras de Bolsonaro, ele manda sim nas Forças Armadas e garantiria a lei e a ordem se os governadores mantiverem políticas no seu entender violadoras dos direitos fundamentais.
Ocorre que, estando certos todos os livros de Direito Constitucional Brasileiro de que se tem notícia, a chefia do presidente do Executivo não é uma autorização para agir quando as decisões de governadores e prefeitos são ilegais na interpretação de Bolsonaro. Se os outros mandatários estão contra a CF/88 - e não estão - quem deve dizê-lo com definitividade é o STF. Jair sabe disso, e finge não saber.
E nem venha falar de Direito Fundamental de Liberdade: o Direito Fundamental à Vida, mais importante que é, pode e deve ser exercido com restrição de circulação sim, sendo razoável num contexto de 300 e tantos mil mortos as pessoas serem instadas a não aumentarem a contaminação e não matarem umas às outras. É o que amiúde diz a ciência sanitária, que é baliza do Direito.
Para os que desejam um aprofundamento jurídico, convido a pesquisarem sopesamento de princípios ou balancing e a descobrirem que, no geral, um princípio jurídico deve ser utilizado de maneira a garantir o máximo possível da efetividade do outro, máxime quando o outro é mais importante. Para os que desejam uma reflexão aristotélica, considerem que não há direito à liberdade sem vida. Se somar ciência sanitária, jurídica e lógica o bolsonarismo sairá pela outra porta.
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Não se fale também da mentira recentemente repetida até mesmo por um Senador da República cearense (cujo nome não falarei para evitar ainda mais tristeza): não, o STF não proibiu o presidente de agir contra a pandemia - apenas reconheceu a competência não-exclusiva de todos os entes em tratar de saúde pública, interpretando o art. 23, II da CF/88, de clareza solar. Quiser consultar sem recorrer ao YouTube (por favor), pesquise a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341 Distrito Federal.
Fosse uma prova de Direito Constitucional, aquele que interpretasse o art. 142 da CF/88 como o presidente faz erraria a questão. Não há espaço hermenêutico que autorize Forças Armadas na rua na situação apresentada. Você, jurista com Bolsonaro, no fundo sabe disso. Mas ama o presidente.
Bolsonaro está, faz tempo, tentando dar um golpe. Se conseguir, naturalmente será injusto com você numa situação pessoal. Você adaptará o discurso mais uma vez ou vai se arrepender de ter negado seu juramento?
Eu vou cobrar de você. Mas bem longe do Brasil, se eu estiver vivo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.