Guia do 7 de setembro: o que o cidadão pode e o que não pode fazer

Ninguém pode ser preso apenas por manifestar opinião política, mas excessos podem responsabilizar manifestante

Legenda: A Constituição garante liberdade do cidadão em manifestar sua opinião e pensamento, inclusive em manifestações
Foto: AFP

Após o ministro Ricardo Lewandowski ter escrito, citando a Constituição Federal, que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, e com a proximidade das manifestações marcadas para 7 de setembro, parece útil apresentar um resumo do que pode e o que não pode ser feito em eventos do tipo, segundo a lei brasileira.

As observações abaixo, naturalmente, servem não só para as manifestações que se aproximam, mas todas as outras que se seguirem, à esquerda ou direita.

Liberdade de expressão do pensamento e de manifestação

Fruto de longo amadurecimento da comunidade jurídica internacional, há um extenso rol de direitos fundamentais, no art. 5.º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que garantem a liberdade do cidadão em manifestar sua opinião e pensamento, inclusive em manifestações coletivas – que na lei maior são protegidas pelo “Direito de Reunião”.

Abaixo, uma lista de condutas permitidas àqueles que apenas desejem manifestar sua opinião, individual ou coletivamente.

1. É livre a manifestação do pensamento (art. 5.º, IV), sendo possível a manifestação crítica aos poderes constitucionais, à atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política.

2. Exercer sua crença religiosa, convicção filosófica ou política não priva o cidadão de direitos (art. 5.º, VIII), desde que não haja excessos a partir desse exercício.

3. Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (art. 5.º, XVI), atendidos os cuidados legais.

4. É plena a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5.º, XVII).

5. Uma prisão só é legal nos casos de:

a) flagrante delito,

b) por ordem escrita e fundamentada de juiz, ou

c) transgressão ou crime militares (art. 5.º, XLI),

6. Uma prisão deve ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária quando

a) for ilegal (XLV) ou

b) quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (XLVI).

7. É garantido "habeas corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (Art. 5.º, LXVIII);

Limites à liberdade

A própria Constituição e a legislação inferior, entretanto, limitam a liberdade do cidadão. Segue resumo.

1. É livre a manifestação do pensamento, mas é vedado o anonimato (art. 5.º, IV, CF/88), porque tira a possibilidade de identificar quem incorre em eventual crime, quando for o caso. O uso de máscaras que cobrem todo o rosto não é um delito, mas tem sido associado a manifestações radicais, recomendando-se evitar.

2. Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, mas isso não pode ser invocado para eximir-se de obrigação legal a todos imposta (art. 5.º, VIII, CF/88). Assim, o manifestante, segundo a lei brasileira, deve abster-se de,

a) publicamente, fazer apologia de fato criminoso ou de autor de crime (art. 287, Código Penal);

b) caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (art. 138, CP), inclusive contra mortos (§ 2.º);

c) difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (art. 139, CP);

d) injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (art. 140, CP), com pena aumentada se há a utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (§ 3.º) ou orientação sexual (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e Mandado de Injunção (MI) 4733).

3. A reunião pacífica, sem armas, em locais abertos ao público pode acontecer independentemente de autorização, mas não pode frustrar outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local e deve haver aviso prévio à autoridade competente (Art. 5.º, XVI, CF/88). As manifestações de 7 de setembro são notórias e não há grupos antagonistas que tenham se organizado no mesmo horário, o que deve tranquilizar os manifestantes.

4. Apesar de ser plena a liberdade de associação para fins lícitos, é vedada a de caráter paramilitar e, obviamente, a associação de fins ilícitos (Art. 5.º, XVII, CF/88). Desta feita, o manifestante deve evitar

a) Fazer Associação Criminosa, que ocorre quando se associam 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer qualquer coisa definida como crime, com pena aumentada se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente (art. 288, Código Penal),

b) Fazer Milícia Privada, que significa constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal (art. 288-A, Código Penal).

5. A própria Constituição Federal diz que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático (art. 5.º, XLIV, CF/88). Assim, o manifestante que estiver armado ou fizer parte de um grupo armado, corre risco de ser preso sem fiança e sem prazo para fim da ação penal, caso a autoridade entenda que o preso agiu contra a Ordem Constitucional e o Estado Democrático.

Lei de Segurança Nacional (LSN)

A Lei 7.170/1983, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, muito criticada por ser considerada autoritária, muito provavelmente ainda estará vigente no dia 7 de setembro de 2021, uma vez que 1. a sua revogação ainda depende da Promulgação do Projeto de Lei 2.108/2021, que atualmente aguarda veto ou sanção presidencial, com possibilidade de derrubada de veto pelo congresso, e 2. o Projeto de Lei 2.108/2021 até aqui aprovado define que passará a valer apenas 90 (noventa) dias após sua publicação oficial.

Importante dizer que essa lei tem sido considerada por muitos juristas como inconstitucional, uma vez que a CF/88, muito mais liberal, não se compatibilizaria com suas proibições.

Caso esteja vigente, e seja considerada constitucional pela autoridade em cada caso concreto, há inúmeros delitos que podem ser atribuídos aos manifestantes, se incorrerem nas condutas abaixo identificadas.

1. Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça (art. 16, LSN).

2. Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17, LSN).

3. Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados (art. 18, LSN).

4. Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas (art. 19, LSN).

5. Fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social, de perseguição religiosa ou de qualquer dos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (art. 22, LSN).

6. Incitar à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis ou à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei (art. 23, LSN).

7. Constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa (art. 24, LSN).

8. Caluniar ou difamar o Presidente do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação (art. 26, LSN).

Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito 

O Projeto de Lei 2.108/2021, que visa revogar a Lei 7.170/1983 (LSN) e inserir crimes contra o Estado Democrático de Direito no Código Penal, certamente não estará vigente no dia 7 de setembro, como já dito acima.

Quando estiver vigente, porém, serão considerados crimes as condutas abaixo.

1. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais (art. 359-L).

2. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído (art. 359-M).

3. Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privado, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral (art. 359-O).

4. Incitar, publicamente, a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade (art. 286, parágrafo único).

Será expressamente permitido, na vigência dessa lei, a manifestação crítica aos poderes constitucionais e à atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais (art. 359-T).