Não vi Pelé jogar. Mas meu pai viu. E daí já se inicia um peculiar fenômeno que não sei explicar. É que ouvindo os relatos do meu velho desde as emoções vividas ao som do rádio na Copa de 1958 e as primeiras imagens da Copa de 1970, ambas cristalinas em sua memória, tenho a sensação de ter vivenciado aqueles tempos. Não é um sentimento fortuito, é esquisito mesmo. Pelé me fez sentir lá, viver as emoções de um povo sofrido que viu um anjo negro desmontar defesas, projetar um país para o mundo. Conquistá-lo três vezes. Três grandes alegrias brasileiras.
Pelé morreu e, para mim, é como se um parente tivesse partido. Tão inexplicavelmente ligado a mim, mesmo que eu não seja exatamente da sua geração. Mas só o tempo vai explicar tal sentimento. É o real sentido da palavra legado. O que somos hoje enquanto futebol devemos a ele. Uma conta deliciosamente impagável. Felizes aqueles que, como meu pai, não tiveram apenas a sensação de ter presenciado uma carreira tão brilhante, mas, de fato, foram testemunhas oculares de tamanha genialidade.
Hoje tenho filhas e entendo quando meu pai, em 1994, aos prantos, comemorava o fato de eu ter tido a oportunidade de ver o Brasil campeão mundial. Quero também isso para elas, tanto que fiquei abalado com a nossa recente derrota para a Croácia. Ao mesmo tempo, também há alívio. Minhas pequenas ainda não têm ideia de quem é Pelé, mas um dia saberão. E terão a sensação que já foram campeãs do Mundo também, mesmo que os nossos futuros craques sejam derrotados para seleções diversas por aí, nas tantas copas que virão. As de Pelé ninguém vai tirar. Somos eternas gerações de vitoriosos por conta de ti, Rei. Vai com Deus!
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