É preciso chorar

As lágrimas comunicam. Funcionam como palavras, muitas vezes quando elas faltam

Legenda: O choro é a primeira manifestação da vida se pensarmos o quanto é aguardado no nascimento de um bebê
Foto: Vidal Balielo Jr.

Na coluna anterior, quando escrevi sobre emoções, fiz um breve relato sobre a importância da compreensão do choro como uma forma de comunicação. Na leitura de revisão do texto, senti a necessidade de escrever outro somente sobre essa importante e mal compreendida forma de expressão.  

Os dias foram passando e várias situações aconteciam sempre me lembrando que não deveria desistir de falar sobre o assunto. A última foi ontem, enquanto andava na rua, a caminho de casa, após sair do trabalho.   

O diálogo foi curto e aconteceu no tempo em que passava na calçada em frente a uma loja. Três mulheres, duas idosas e uma jovem, e um menino de 3 ou 4 anos. A criança estava com o braço direito esticado mostrando para as outras pessoas as marcas de um teste alérgico que acabara de fazer.   

Uma das mulheres olhou para o menino e perguntou: “doeu? Você chorou?”. Se a criança pensou em responder algo, desistiu. Logo foi interrompida por uma das idosas que disse: “não doeu. Ele não chorou, porque é um rapaz.”  

Segui meus passos pensando na criança, em como ela teve uma resposta e um sentimento violentamente silenciados, na ignorância dos adultos que a rodeavam e em como atitudes assim, que alguns podem tomar por simples e desimportantes, são prejudiciais e deixam sequelas emocionais. Algumas irreparáveis. 

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Esse curto diálogo releva o paradigma de uma sociedade machista e a falta de conhecimento sobre as nossas emoções. Mas hoje quero falar sobre o choro, que, sim, precisa ser urgentemente compreendido, aceito e acolhido.   

A ciência explica porque choramos. Estudos apontam que temos três tipos de lágrimas. A primeira tem a função de lubrificar os olhos, uma proteção contra micro-organismos. A segunda, conhecida como lágrima de proteção, atua como reflexo a um estímulo. É aquela que surge, por exemplo, quando cortamos cebola. O terceiro tipo que produzimos é a do choro, também conhecida como lágrimas emocionais.   

As lágrimas emocionais, exclusivas dos seres humanos, são as mais cheias de mistérios. Por isso, a importância de sabermos mais sobre elas.   

O choro é a expressão de um sentimento. Choramos quando estamos tristes, felizes, cansados, aliviados. Choramos quando sentimos gratidão, alegria, raiva, ansiedade, frustração. Choramos quando ganhamos ou quando perdemos algo ou alguém.   

Choro é comunicação. Ele independe de gênero. Não podemos silenciar ou reprimir a comunicação que vem dele. Chorar não é sinal de fraqueza. E mesmo que fosse, temos direito de fraquejar, de cair. Por que temos que ser fortes mesmo diante de dificuldades, incompreensões, injustiças? Temos que ser o que conseguimos ser. 

O choro atravessa nossa vida do nascimento à morte. Ele é a primeira manifestação da vida se pensarmos o quanto é aguardado no nascimento de um bebê. Esse choro significa a capacidade de respirar. E respirar é viver.   
 
O recém-nascido não sabe falar. Então, o choro é a maneira como ele se comunica. Nessa fase, o choro não é só fome ou dor.  O bebê chora para dizer muitas coisas, que quer colo, que está sujo, que passa frio ou calor.  

À medida que vai crescendo, se torna capaz de manipular as pessoas com o choro para conseguir, por exemplo, compaixão e empatia. E assim é incorporado também à vida adulta.   

Mas a sensação que tenho é de que as cobranças do não chorar aumentam à medida que o tempo passa. O adulto parece ter vergonha de chorar. Muitas vezes pede desculpas por chorar. Também se esconde ou busca ficar sozinho para fazer isso, o que mostra o quanto o choro é associado à fraqueza ou expõe a uma espécie de constrangimento.  

A falta de conhecimento sobre o choro abala tanto quem chora como quem assiste ao choro, se lembrarmos como é comum o impulso desses de tentar interromper o choro do outro. 

Legenda: Choro é libertação. Não podemos silenciar ou reprimir a comunicação que vem dele
Foto: Ikon Republik

Somos inexperientes ao choro. É como se o ato de tentar acalmar e fazer o choro parar fosse também para reduzir a própria angústia, que pode surgir de uma identificação com o que é vivido pela outra pessoa ou com a incapacidade de ajudá-la.    

Ainda temos tempo de mudar esse cenário, mas para isso precisamos entender que as lágrimas comunicam. Funcionam como palavras, muitas vezes quando elas faltam. E reprimir o choro é acabar um importante canal de diálogo.
   

Por isso, chore quando tiver vontade. Se está triste e sente vontade de chorar, chore. Se está feliz e sente vontade de chorar, chore também. No final, todas as formas fazem bem à saúde.   

Choro é libertação. O filósofo romano Sêneca já dizia: “As lágrimas aliviam a alma”. Então, vamos chorar sem medo, vergonha ou culpa.