Um dia para esquecer: Bolsa cai a menos de 100 mil pontos

O Ibovespa, principal índice da B3, desabou 2,29%, fechando em 97.926 pontos. Culpa do Copom, que manteve a Selic em 13,75%, com promessa de subir mais. E da demora da nova matriz fiscal

Legenda: Economista Roberto Campos Neto (foto), presidente do Banco Central, tem mandato até 2024
Foto: Agência Brasil

Um dia para esquecer foi o de ontem, quinta-feira, 23, no mercado financeiro. A Bolsa de Valores brasileira B3 fechou em queda forte, de 2,29%, caindo para 97.926 pontos, o menor nível desde julho de 2022. O dólar, por sua vez, subiu 1,03%, fechando cotado a R$ 5,29 – uma alta expressiva. As bolsas estrangeiras, inclusive as dos EUA, operaram em alta.

Com a queda de ontem, o índice Ibovespa está perdendo, neste ano, quase 10%.

O recuo da Bolsa B3, ontem, foi causado pela decisão tomada na véspera pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom, que manteve inalterada a taxa básica de juros Selic, estacionada desde agosto no patamar de 13,75%. 

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Os investidores entenderam que o Copom, além de não mexer na Selic, ainda admitiu, no seu comunicado, que a taxa de juros poderá subir, se isto se tornar necessário. 

Os economistas dos grandes bancos entendem que, pelo comunicado do Copom distribuído após a reunião de quarta-feira, qualquer redução da taxa Selic só acontecerá no segundo semestre.

Há incertezas no horizonte da política e da economia, e é isto que levou o Copom a manter a taxa básica de juros. Não se sabe ainda qual é a diretriz estabelecida pelo ministério da Fazenda  na sua proposta do novo arcabouço fiscal, cujo texto segue mantido em sigilo, devendo ser publicado apenas quando o presidente Lula retornar de sua viagem à China, que começará amanhã, sábado.

No seu pregão de ontem, a Bolsa B3 perdeu os 100 mil pontos, e isto é reflexo da queda da atividade econômica. 

A indústria automobilística, por exemplo, reclama da redução drástica das vendas, e tanto é verdade que várias montadoras deram férias coletivas aos seus empregados. E a culpa – dizem os empresários – é dos juros muito altos.

Com juros altos, o consumidor de bens duráveis reduz suas compras, e aí a cadeia produtiva é atingida, tendo de reduzir a produção e, consequentemente, suas margens, repercutindo no resultado dos seus balanços e, mais ainda, no pagamento de dividendos. É o efeito dominó, já sentido na cadeia de outros setores da atividade industrial.

Juro alto significa dinheiro mais caro, o que pode ser observado nas lojas do varejo, onde o crédito se contraiu. As vendas do comércio lojista diminuíram como consequência das taxas de juros mais altas. 

Ontem, as ações da rede de lojas Marilu caíram 13%. E por que caíram? Porque seus acionistas estão observando a redução das vendas e antevendo pouco lucro para a empresa neste ano. As vendas caíram porque comprar a prestação ficou mais caro por causa das altas as taxas de juros, obrigando o consumidor a adiar suas compras.

Enquanto isso, prossegue o clima de confronto entre o presidente da República e a autoridade monetária. Ontem, o presidente Lula voltou a disparar críticas contra o Banco Central e o seu presidente Roberto Campos Neto. 
Lula e o comando do seu partido, o PT, estão pressionando, publicamente, o Banco Central a reduzir a taxa de juros Selic, mas isto – segundo consta do comunicado do Copom da última quarta-feira – não será possível agora, enquanto não se dissiparem as dúvidas em relação à política fiscal do governo, que, como se sabe, é francamente favorável à manutenção da gastança.

Se dependesse de Lula, o Banco Central não seria independente, nem seu presidente teria mandato, sendo demissível em qualquer tempo, como um técnico de time de futebol. Como essa independência foi estabelecida por Lei, só outra Lei, aprovada pelo Congresso Nacional, onde Lula não tem maioria garantida, mudará o que hoje está determinado. 

Resultado: até meados do próximo ano, o presidente e o PT terão de conviver com Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central.

O clima no mercado financeiro é de muita expectativa diante da nova matriz fiscal prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. 

Por enquanto, nada vazou sobre a nova âncora fiscal, que substituirá o teto de gastos. Já se falou que o objetivo da nova política fiscal será reduzir à metade o déficit orçamentário que hoje está na casa dos R$ 224 bilhões. Para isso, porém, o governo terá de cortar despesas, contrariando o que deseja o PT, que é ampliar os investimentos.

Por causa do clima político – esquentado ontem pelas públicas divergências entre o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – e também por causa das indecisões e incertezas do governo em relação ao novo arcabouço fiscal, investidores estrangeiros estão deixando a Bolsa brasileira. Em fevereiro, fugiram daqui o equivalente a US$ 1,7 bilhão, segundo informa a XP.

Há a percepção no mercado de que a B3 cairá mais, podendo descer hoje ou na próxima semana até os 95 mil pontos.

Resumindo: o governo tem de mostrar logo a sua nova matriz fiscal para devolver a tranquilidade – ou ampliar a intranquilidade – de quem produz e trabalha. 

E de quem especula no mercado financeiro.