Aconteceu antes do meio-dia desta terça-feira, numa das famosas barracas da Praia do Futuro. Quase lotada de turistas de outros estados, a barraca, com uma estrutura de fazer inveja, incluindo um miniparque aquático e – que luxo! – um ostensivo grupo motorizado da Polícia Militar, recebia as pessoas em clima de férias e festas.
Um cliente, idoso, acompanhado dos netos, pede o cardápio a um dos garçons, que logo o apresenta. Estão lá os preços que assustam o assalariado: uma cerveja Stela Artois, de 750 ml, por R$ 16,90.
“Está cara a cerveja, né?”, indaga ao garçom, que responde:
“Tudo subiu e está subindo”.
É como se a cerveja tivesse assaltando à mão armada o indefeso cliente.
Mais uma página do cardápio surge à vista do cliente: Caranguejo à moda da casa, três unidades, por R$32,90; uma latinha de guaraná por R$ 6,50; um camarão no alho e óleo, por R$ 46,90.
Tudo isso foi encomendado e, enquanto a encomenda não chega, os netos divertem-se no mar agitado, sob o olhar atento de uma “tia” sexagenária, mas de cuidado juvenil com as crianças, primos de 9 anos de idade.
Nas mesas instaladas na areia da praia, tudo acontece, cada um querendo tirar proveito do outro. Um cantador, com viola pendurada no pescoço, faz versos de repente:
“A Virgem Maria estava brigando com São José: você vendeu minha jumenta e me deixou andando a pé”, cantou ele. E cantou muito mais, até arrancar uma gorjeta de R$ 10 do casal pernambucano.
Na mesa do lado, um venezuelano, daqueles que costumam vender terreno na lua, passou mais de 15 minutos convencendo o marido a comprar para a mulher um cordão dourado e uma imagem de Nossa Senhora por R$ 80, com a promessa de que, mesmo não sendo de ouro puro, as duas peças jamais serão vítimas da oxidação.
O marido recusou a oferta, mas “caiu” na lábia do estrangeiro, que lhe vendeu por R$ 50 uma pulseira também dourada, e saiu sorrindo com sua performance.
Apareceu um vendedor de coco verde, oferecendo seu produto com a seguinte proposta:
“Um é R$ 4, mas três saem por R$ 10, é pegar ou largar, e tá geladinho”.
Aí surge um vendedor de lagosta: “É R$ 40 o quilo, e já está cozinhada”, diz ele, mostrando os crustáceos, um em cima do outro, embalados num isopor empoeirado que mantém bem quente a temperatura do produto.
Ninguém quis a lagosta graúda, mas quando chegou o vendedor de lagostim – a lagosta miúda – os turistas de duas mesas diferentes interessaram-se por ele. E compraram porções generosas por preço que a atenção do repórter, por mais aguçada, não percebeu.
Quem teve sorte foi a dupla vendedora de redes de dormir, que, depois de pedir por ela R$ 150, acabou fechando negócio por R$ 100, pagos pelo Pix.
Mas na praia do Futuro tem de tudo. O idoso, avô dos netos que mergulham nas ondas do mar, assusta-se quando uma voz grita ao seu lado:
“Bom dia, meu irmão. Sou o missionário Ronaldo e estou aqui com o pastor fulano e a bispa sicrano. Estamos com uma barraca ali, colhendo a ajuda das pessoas para a nossa obra de caridade. O senhor pode nos ajudar?”
Ao meio-dia de hoje, a Praia do Futuro -- encimada por um céu nublado no meio do qual, timidamente, teimava em sair o sol -- era o encanto de uma multidão de turistas, que, incentivados pelo ócio e pela boa e cara gastronomia do lugar, elogiava a hospitalidade do cearense e a variedade da programação:
"À noite, vamos jantar na Beira Mar, viu? ", dizia para outra, alto e bom som, uma turista com sotaque carioca, cujo corpo estava protegido apenas por um minúsculo biquini fio dental.