“Que história é essa de estar sobrando leite bovino no Ceará? Não é verdade. A verdade é que a produção leiteira cearense, que segue sendo a mesma, está sendo mal remunerada pela indústria de lacticínios, e este é um problema que vem se acentuando nos últimos meses”.
Eis o que disseram ontem à coluna dois presidentes de sindicatos rurais filiados à Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), na opinião dos quais o que a indústria paga hoje ao produtor “não está cobrindo os custos de produzir”.
Trata-se, pois, de um problema que “não se resolve por meio de discussões nas redes sociais da internet, mas com reuniões presenciais das partes interessadas”, como sugeriu uma das fontes.
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Há dois lados nesse imbróglio: o dos que produzem o leite e o dos que o industrializam, transformando-o em queijo, em requeijão, em iogurte, em bebidas lácteas e em Leite Longa Vida.
A indústria impõe algumas exigências de ordem sanitária para adquirir o leite do produtor, a primeira das quais é a qualidade do produto; o produtor, por seu turno, tem ciência dessa exigência e, por isto mesmo, vem investindo – ou sozinho ou com o apoio de prefeituras municipais – na aquisição de tanques de resfriamento.
A Prefeitura de Mombaça, por exemplo, implementou um programa de apoio aos seus produtores leiteiros, cujos bons resultados já incluíram o município entre os líderes do setor na região do Sertão Central. Isto quer dizer que há, e segue havendo na pecuária do Ceará, um esforço para aumentar a produção e, ao mesmo tempo, qualificar o produto, o que só é e será possível pela qualificação do produtor e de quem o ajuda a produzir.
Em linguagem clara e objetiva, há, mais específica e localizadamente, uma antiga divergência, ainda não resolvida, separando o produtor de leite e a Betânia Lácteos, que hoje é a Alvoar, empresa nascida da fusão da cearense com sua similar mineira Embaré.
Os presidentes dos dois sindicatos rurais ouvidos pela coluna – situados em municípios cuja economia gira em torno da pecuária leiteira – fizeram questão de citar “o bom relacionamento” que, em Minas Gerais, tem a Embaré com seus fornecedores de leite, algo que pode ser medido “pelo preço justo” pago por ela ao produtor. Os mesmos informantes acentuaram que esse relacionamento “já foi bom aqui no Ceará, mas hoje tem problemas, porque a Betânia não melhora a remuneração do produtor; nem a Betânia nem outras pequenas indústrias beneficiadoras”.
Como superar esta questão, que tem a ver com uma atividade empregadora intensiva de mão de obra? Não há solução fácil, mesmo porque o mercado brasileiro – segundo sustenta a indústria – é invadido, sazonalmente, por leite do Uruguai e da Argentina, fraturando o mercado interno e tumultuando as relações do setor industrial com o universo produtor.
O governo do estado pode contribuir para o equilíbrio dessas relações, bastando, para isso, ampliar o volume de leite bovino servido na merenda escolar.
Por enquanto, a equipe de transição do futuro governo Elmano Freitas ainda não se manifestou a respeito. Como a próxima gestão tem reiterado o compromisso de priorizar as demandas sociais – e a oferta de mais leite na merenda escolar é uma delas – os industriais e os produtores torcem para que essa possibilidade se torne realidade.
Há outros gargalos apontados por industriais e produtores cearenses de leite e seus derivados, um dos quais, o principal, é a entrada franca, sem qualquer fiscalização das autoridades sanitárias e tributárias do estado, de produtos lácteos oriundos do Norte do país.
“Não se sabe de onde vêm, nem como são produzidos. Há produtos que chegam com selo falso de certificação e que, mesmo assim, acreditem, são vendidos em supermercados de Fortaleza”, como denuncia um pequeno laticinista.
Moral desta história: o problema existe e foi exposto nas linhas acima. Os dois lados interessados na sua solução devem sentar-se para encaminhar uma saída comum. Se tiver interesse em mediar uma alternativa, o governo do estado será bem-vindo, dizem as duas partes.
A pecuária do Ceará – no campo e na indústria — progrediu muito nos últimos 20 anos, superando todas as dificuldades.
Há dois dias, por exemplo, colheu-se, mecanicamente, em Tabuleiro do Norte, a primeira safra de palma forrageira cultivada com a última tecnologia, abrindo uma nova fronteira agrícola no Ceará, cujo melhor produto é o cearense.