Bombas quebram e Ceará pode ficar sem água do S. Francisco

Exclusivo! Uma das duas bombas da Estação Elevatória de Salgueiro estará recuperada em 15 dias, mas a recuperação da outra só em dois anos a um custo de R$ 50 milhões

Legenda: A barragem do Jati (foto) está enviando, por gravidade, sem bombeamento, água do S. Francisco para o açude Castanhão
Foto: Hiane Braun / Governo do Ceará

Atenção! Há mais de uma semana, a transferência das águas do rio São Francisco para o açude Castanhão está sendo feita por gravidade graças ao bom volume das pequenas barragens de acumulação existentes ao longo do Canal Norte do Projeto S. Francisco. 

O bombeamento dessas águas está suspenso de novo porque quebrou há quase 20 dias a única das duas bombas que operavam na Estação Elevatória de Salgueiro (PE). Sua recuperação ainda demorará duas semanas, e essa demora poderá provocar nova suspensão do bombeamento.

A primeira das duas motobombas quebrou no início do ano passado. Ela está sendo recuperada, mas só estará pronta dentro de dois anos. O serviço de reparo custará, a preços de hoje, R$ 50 milhões, segundo disse à coluna um engenheiro especializado em obras hídricas e que está bem-informado sobre o que se passa na Estação Elevatória de Salgueiro e na barragem do Jati, no Sul do Ceará.

Ontem, 17 empresários da agropecuária cearense reuniram-se para tratar do assunto, tendo em vista que a nova paralisação do bombeamento poderá colocar em risco o abastecimento de água da população da Região Metropolitana de Fortaleza e, ainda, a segurança hídrica das atividades econômicas do Baixo Jaguaribe, onde há em crescimento um polo da fruticultura e outro da pecuária bovina leiteira.

Há o temor de que se confirme a previsão da Funceme, segundo a qual a estação chuvosa deste ano tem mais de 40% de chance de ser abaixo da média, embora o mês de fevereiro, em algumas regiões do Ceará, tenha registrado chuvas acima da média, principalmente ao longo do seu litoral de 570 quilômetros.

Durante a reunião dos agropecuaristas, surgiram várias sugestões para 1) minimizar os prejuízos causados pela nova suspensão do bombeamento das águas do São Francisco para o Ceará e 2) acelerar as providências corretas junto ao governo do estado, ao ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e às principais lideranças do Congresso Nacional.

Um grupo desses empresários deverá deslocar-se até Brasília para reuniões com senadores do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, estados beneficiados pelo Projeto São Francisco, e com o ministro do MIDR, Valdez Góes. A pauta das reuniões será a aceleração dos serviços de construção do Ramal do Salgado, última etapa do Projeto São Francisco. A previsão é de que esse ramal – que reduzirá em 150 quilômetros a viagem das águas do Velho Chico até o açude Castanhão – estará concluído em dois anos.

Quando o Ramal do Salgado estiver pronto, asseguram os especialistas, será dispensado o bombeamento das águas do São Francisco para o Castanhão, pois elas viajarão até lá por gravidade, usando o leito do rio Salgado, o que reduzirá bastante, para o governo cearense, o custo de operação do projeto, principalmente o relativo à conta de energia elétrica.

Ontem à noite, o secretário Executivo da Secretaria de Recursos Hídridos (SRH), engenheiro Ramon Rodrigues, transmitiu a esta coluna as seguintes informações: 1) No fim do ano passado, o governador Elmano de Freitas reuniu-se com o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), Valdez Goes, a quem solicitou a transferência de 12,5 m³/s do rio São Francisco para o Ceará, dos quais 10 m³/s desceriam para o Castanhão pelo canal do Cinturão das Águas (CAC) e 2,5 m³/s seriam despejados na barragem de Lavras da Mangabeira, antes da saída para o rio Salgado; 2) Tendo em vista que só havia uma bomba disponível, o volume solicitado não pode ser fornecido, razão pela qual o MIDR passou a mandar (por gravidade) para o lado cearense do Canal Norte o volume de 6,5 m³/s, “e isto vem sendo cumprido com perfeição”, como disse o secretário Ramon Rodrigues. 

Foi aí que aconteceu o inesperado: a quebra da única bomba em funcionamento.


Ramon confirmou que o Castanhão segue recebendo 6,5 m³/s de águasdo São Francisco, parte dos quais é transferia para o sistema de açudes que abastecem a Região Metropolitana de Fortaleza. Ele acredita que essa transferência continuará sendo feita (por gravidade) até que, nos próximos dias, esteja reparada e volte a operar a única bomba existente e em condições de funcionamento na Estação Elevatória de Salgueiro. 

Esta coluna tentou ontem à noite, por sugestão de Ramon Rodrigues, falar com Giuseppe Serraseca, secretário Nacional de Segurança Hídrica do MIDR. 

Por volta das 22 horas, ele respondeu com a promessa de que hoje, terça-feira, 12, o MIDR se posicionará a respeito da questão.

EX-MINISTRO SUGERE MEDIDAS PARA A SEGURANÇA HÍDRICA

Ex-ministro da Integração Nacional, o engenheiro cearense Francisco José Coelho Teixeira, Mestre em Recursos Hídricos pela UFCe ex-secretário de Recursos Hídricos do Governo do Ceará, elaborou uma Nota Técnica, a que esta coluna teve acesso, na qual analise a questão hídrica, detendo-se no Projeto de Integração do Projeto São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional.

Pela importância do conteúdo e pela sua oportunidade, a coluna publica, a seguir, a íntegra dessa Nota Técnica, assinada pelo ex-ministro Francisco Teixeira: 

“No desiderato de aumentar a segurança hídrica, não apenas do Estado do Ceará, mas também dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o Governo Federal está concluindo a implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF.) 

“A importância do PISF para o Estado do Ceará ficou evidenciada quando em 2021 e 2022, após uma década de precipitações insuficientes para gerar aportes representativos aos reservatórios estratégicos da bacia do Jaguaribe e das bacias Metropolitanas, ocorreram as primeiras transferências do rio São Francisco para o açude Castanhão e deste para os açudes do complexo que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza. 

“Como previsto, o evento dessas transferências serviu de instrumento mitigador do conflito estabelecido entre os atores da bacia do Jaguaribe, desejosos de preservar a água do açude Castanhão para a atividade econômica rural, e aqueles da Região Metropolitana de Fortaleza, demandantes de transferência de vazões para aumentar a garantia do abastecimento urbano. 

“Ao vivenciar mais um período de incerteza das precipitações, tendo por base o prognóstico da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) para a estação chuvosa do presente ano (2024), onde são esperados aportes pouco significativos aos reservatórios estratégicos do Estado, o Governo Cearense solicitou, logo em fevereiro, a transferência de água do PISF para o açude Castanhão. 

“O referido reservatório encontra-se, hoje, com cerca de 25% de sua capacidade, estando já parte desse montante hídrico sendo transferido para RMF. Embora o Governo Federal, por meio do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional - MIDR, tenha demonstrado todo o empenho em aportar a vazão requerida (10 m3/s) pelo Governo do Ceará, há problemas de caráter operacional no PISF que impedem o alcance de tal objetivo. 

“Por outro lado, para que seja propiciada uma efetiva segurança hídrica ao Estado do Ceará, nos períodos de seca extrema, será prudente que o PISF tenha capacidade de transportar o volume de 350 milhões de m3 (montante hídrico demandado anualmente pela RMF) no prazo de quatro a cinco meses que é a janela de tempo da estação chuvosa (época em que diminui a irrigação, a insolação é menor e os leitos dos rios estão úmidos, tornando a transferência mais eficiente). Para esse intento, serão necessárias as intervenções expostas a seguir: 

“• Aquisição de mais dois conjuntos motobombas com respectivos sistemas de recalque e equipamentos eletromecânicos para cada uma das três estações elevatórias do Eixo Norte do PISF, duplicando sua capacidade de bombeamento e adução (de 25 para 50 m3/s); 

“• Flexibilização da outorga concedida ao MIDR pela Agência Nacional de Águas (ANA), vinculando as vazões máximas a serem captadas pelo PISF não apenas ao volume disponível no reservatório de Sobradinho, mas também às demandas estabelecidas nos estados receptores (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte); 

“• Implantação do Ramal do Salgado a fim de reduzir o percurso, em leito natural, das águas transferidas pelo PISF, propiciando uma diminuição das perdas em trânsito, seja por infiltração, por evaporação ou por captações indevidas; 

“• Estabelecimento de um modelo de gestão do PISF que tenha como premissa a modicidade tarifária, adequando os encargos a serem assumidos pelos estados à capacidade de pagamento do público beneficiado; 

“• Operacionalização do Eixo Norte do PISF de modo a garantir a transferência de até 30 m3/s para o Estado do Ceará (sendo 10 m3/s ofertados no reservatório de Jati a fim de serem conduzidos via Cinturão das Águas (CAC) para o açude Orós, 20 m3/s a serem disponibilizados pelo Ramal do Salgado e encaminhados ao açude Castanhão durante os meses da estação chuvosa (fevereiro a junho), à medida que ao longo dos meses da estação seca (julho a janeiro) seja assegurado o fornecimento de vazões mínimas para as captações efetuadas diretamente das estruturas associadas ao PISF. 

“Uma vez implementadas as medidas acima relacionadas, será conferida ao PISF a resiliência necessária a fim de que esse projeto alcance o propósito para o qual foi concebido: aumentar a segurança hídrica de pelo menos 12 milhões de pessoas que vivem nas áreas mais vulneráveis dos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. 

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