A Reforma Tributária é difícil e complicada: eis dois exemplos

Sérgio Melo, tributarista e consultor empresarial, elogia a reforma; a professora titular de Direito Tributário da UFC, Denise Lucena Cavalcante, levanta dúvidas e aponta erros

Legenda: A professora Denise Lucena Cavalcante (em pé), fala durante debate na Câmara dos Deputados
Foto: Divulgação

Será divulgado amanhã, em Brasília, o relatório do Grupo de Trabalho (GT) da Câmara dos Deputados que, durante os últimos meses colheu opiniões e sugestões sobre a proposta de Reforma Tributária, uma promessa não cumprida desde1965 por todos os presidentes da República, ministros da Fazenda e membros das duas casas do Congresso Nacional. Parece que, agora, vai. 

Pelo menos foi esta a percepção das centenas de empresários da indústria, da agropecuária, do comércio e do serviço que, na sexta-feira passada, dia 2, ouviram com atenção os discursos e as novas promessas dos parlamentares do GT. 

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Sobre o tema, esta coluna recebeu do tributarista Sérgio Melo, um dos mais requisitados consultores empresariais do Ceará, um curto texto, no qual expõe sua opinião a respeito dessa reforma. 

“Sou de opinião de que não há como a Reforma Tributária ser pior do que o manicômio tributário que temos hoje. A reforma proposta vai eliminar um grande número de obrigações acessórias e simplificará a apuração e recolhimento dos tributos indiretos”, afirma ele. E acrescenta:

“Como tributarista, tenho acompanhado de perto os estudos e os trabalhos do CCif - Centro de Cidadania Fiscal – do qual o Bernard Appy (que foi um dos expositores do seminário promovido pela Fiec na última sexta-feira) fazia parte antes de ir para o governo. Não tenho a menor dúvida de que a reforma em discussão é infinitamente melhor do que o modelo que temos atualmente. Além disso, muito provavelmente, teremos uma grande redução da informalidade, melhorando a competitividade das empresas que operam na formalidade”.

Sérgio Melo, ex-integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), conclui sua opinião com mais uma frase.

“Também não tenho nenhuma dúvida de que teremos gigantesca redução do contencioso fiscal.”

Outra opinião importante esta coluna recebeu a respeito do mesmo assunto. É a da professora titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará (UFC), Denise Lucena Cavalcante. Ela diverge de Sérgio Melo, ao dizer o que se segue:

“Unificar os tributos sobre o consumo é algo necessário, porém, da forma como está na PEC 45 (que trata da Reforma Tributária), excluindo todos os incentivos, sob a promessa de desoneração futura dos setores produtivos; prevendo uma transição de 10 anos para a substituição dos antigos impostos pelos novos – ou seja, nesse período teremos os já existentes e ainda os novos; com uma transição de 50 anos para a partilha do produto da arrecadação – tudo isto me parece temerário”.

Ela prossegue argumentando:

“A mim também parece temerária a previsão de praticamente levar todas as questões relevantes para posterior decisão em Lei Complementar, assim como a criação de um Comitê Gestor Nacional que não se sabe se atuará simultaneamente com as atuais administrações fazendárias. Enfim, há uma complexidade extrema que está muito longe da simplicidade e segurança jurídica tão enfatizadas nos discursos da sexta-feira passada na Fiec.”

Para fechar seu ponto de vista sobre a questão, a professora Denise Lucena Cavalcante assevera:

“Tudo é muito temerário. O debate deve ser feito atentamente com base em cada artigo do texto legal apresentado e não com falas superficiais. Realmente, devemos desconfiar de respostas simples para questões complexas.”

No seminário da Fiec, sexta-feira passada, o relator do GT da Reforma Tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba, chegou a arrancar risos do auditório empresarial, quando disse o seguinte: 

“Nós temos, primeiro, de vencer o grande desafio: a desconfiança da sociedade em relação à Reforma Tributária”.
 
Ele tem razão. Há meio século, o contribuinte brasileiro quer trocar o emaranhado de Leis, regulamentos, resoluções, portarias, instruções, decretos – elaborados para tornar a simples tarefa de recolher impostos numa tortura mensal e para fazer a festa pecuniária dos escritórios de advocacia especializados em “planejamento tributário” (assim mesmo, com aspas) – por um modelo simples, fácil de entender, fácil de cumprir, fácil de fiscalizar, mas difícil de sonegar. 

Será que agora vai?

 A POSIÇÃO DA FIEC

No mesmo seminário da última sexta-feira, Ricardo Cavalcante, presidente da Federação das Indústrias (Fiec), expôs aposição não apenas de sua entidade, mas também da Associação Nordeste Forte sobre a Reforma Tributária.

“A FIEC defende uma Reforma Tributária que proporcione maior simplificação das obrigações fiscais e uma carga tributária mais justa, menos complexa, mais eficiente e que contribua efetivamente para a redução das desigualdades sociais e regionais do Brasil”, ele disse.

E resumiu assim essas desigualdades: o Ceará tem cerca de 4,3% da população brasileira, 2,2% do PIB nacional e responde por 0,7% das exportações do país; o Nordeste, com 27% da população do Brasil, responde por 14,2% do PIB nacional e por 8,3% das exportações.

Ao indicar solução para os gargalos do sistema tributário brasileiro, endereçou sua fala aos deputados do GT: 

“Não precisamos reinventar a roda, basta seguirmos a lógica dos países mais desenvolvidos, onde o sistema tributário se volta para a redução dos impostos indiretos, desonerando a produção, o consumo e as exportações. Mas não podemos nos contentar só com a melhoria do sistema tributário atual, é fundamental perseguir a racionalização da atuação do Estado, permitindo, também, a redução da carga tributária brasileira”, concluiu o presidente da Fiec.