A adoção me faz ser pai de três e entrar na fila por mais um porque amor nunca é demais

A belíssima configuração familiar de um homem que escolhe ser pai todos os dias para cultivar o sentimento mais importante do mundo

Legenda: Da esquerda para a direita, Jonas, Paulo, Messias e Lucineudo: família que não para de crescer
Foto: Arquivo pessoal

Os filhos dormindo, a respiração deles, a paz de vê-los bem. Lucineudo Machado Irineu recorre a essa imagem quando pensa no amor. É pai de três e está à espera do próximo. Gosta disso. Exercer a paternidade é, antes de tudo, escolha, construção de sentimento. Quando a decisão vem por vias não-biológicas, então, o mundo parece crescer. E cresce.

Tem oito anos o alvorecer de um novo universo. A adoção de Messias tratou de iniciar o movimento. Era tudo diferente à época. Lucineudo estava em outro casamento, por exemplo. Par de Suelen. Ela queria ser mãe, mas não por vias convencionais. Ele não pensou duas vezes: aceitou o desafio. 

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Filiaram-se a uma instituição e, após todos os processos, conseguiram. O menino chegou, serelepe e gracioso. Aquele passado dele, tão cruel, ganhava um demão de tinta: cor de futuro. Aos sete anos de idade, Messias sorria para a vida como poucas vezes antes. Os pais tratariam de conservar essa alegria e liberdade, apesar dos desencontros.

É que, tempos depois, Lucineudo e Suelen se separaram. Como prometido, o amargor da divisão não atenuou o cuidado. A criança continuava amada e amando, e o pai tratou de alimentar aquela sementinha da adoção. Ao conhecer uma nova pessoa para aguar a grama do romantismo, fez questão de perpetuar a dinâmica, não perder de vista o ouro. 

Legenda: Lucineudo e Messias, amor que nasceu e evoluiu por meio da adoção e da convivência
Foto: Arquivo pessoal

Foi assim que chegou ao próximo rebento, Jonas. Era maior que Messias quando integrou a família. Tinha 13 anos. Feito o irmão, também fez questão de mudar tudo, e semear um novo capítulo na vida do pai – dentre tantos outros capítulos que estavam começando ali. No terreno mais íntimo, Lucineudo tinha outra companhia agora.

Igualmente professor, Paulo Cesar Alves Garcia foi cativando vontades ao lado do parceiro. Matricular os pequenos na escola e ajudar a montar a mochila; aumentar as compras do mês, incluir biscoitos recheados no carrinho; reforçar o café da manhã, o almoço e o jantar; marcar o jogo, a pizza, a colônia de férias. Receber também: um cheiro, um dengo, bilhetinhos. Aroma de novidade e sonho.

Legenda: A família reunida no dia do casamento de Lucineudo e Paulo
Foto: Arquivo pessoal

“O fato de os meus filhos serem adotados não diminui o amor de jeito nenhum. Agora, tem uma especificidade: esse amor é um amor construído. Porque a gente não tem a nosso favor um componente biológico, hormonal, da gestação – que, mesmo assim, ainda não é garantia de amor, embora a gente saiba que contribui”.

Lucineudo partilha essa visão enquanto pensa no terceiro filho, o mais recente chegado. É o estudante J., de 16 anos, cujo processo judicial de convivência ainda está em curso. Ou seja: pouco a pouco, o garoto tem frequentado a casa da família, adentrado esse universo, para então ser parte dele. Daqui a pouco será, ainda mais por um detalhe.

Foto: Arquivo pessoal

J. é irmão biológico de Jonas. Até teve uma experiência anterior em família, mas a vinculação não aconteceu a contento. Decidiu retornar à situação de acolhimento porque sentia muita saudade do irmão – um estava em Fortaleza, o outro em Quixadá. Não à toa quer ser o novo filho de Lucineudo e Paulo. Ter convicção de que não ficará mais longe do amor.

Um amor tão grande que derrama, se espalha. Depois de três filhos, Lucineudo e Paulo querem fechar a conta, dizem, com mais uma. Marielle é o nome de quem vem. Em dezembro do ano passado, a família publicou nas redes sociais uma foto em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua antecipando o encontro.

Legenda: Todos juntos, à espera de Marielle
Foto: Arquivo pessoal

 O registro dizia assim: “Papai 1, papai 2, maninho 1 e maninho 2 partiram hoje pro fórum para confirmar que estão ansiosos pela chegada da pequena Marielle. A adoção deve demorar um pouquinho ainda, mas, até lá, seguimos preparando nosso coração”. É certo que não apenas o coração deles. Tem muita gente torcendo pelo melhor.

“Quando as pessoas perguntam como é a minha família, digo que é difícil de definir porque são muitas pessoas envolvidas na criação dos meninos. Temos Paulo e eu; a Suelen, minha ex-mulher, e o marido dela, Ricardo – além da Sofie, filha biológica deles, que convive com a gente também. E os avós de cada lado dessas relações”, festeja Lucineudo.

Foto: Arquivo pessoal

“É uma configuração familiar bem atípica e da qual a gente se orgulha muito porque espelha bem a diversidade da família brasileira: dois núcleos familiares, um homoafetivo e outro heteroafetivo, convivendo e dividindo a criação amorosa e respeitosa desses quatro meninos – três por adoção, uma biológica, e daqui a pouco a Marielle. É uma alegria”.

Para o Dia dos Pais deste ano, Lucineudo deu presente a si mesmo: uma tatuagem com o versinho, “Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”. Pensou em cada um dos rebentos ao fazê-la. Eles, de fato, estão sempre chegando, sempre aportando, na pressa linda e mágica de viver. “Todo dia acordo e penso: ‘Vou amar porque escolhi’. E isso basta”.


Esta é a história de amor de Lucineudo Machado e a família que ele constrói por meio dos processos de adoção. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.


*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor