Antes de começar, precisamos falar sobre este espaço que estreia hoje. Um local para destacar as qualidades das mulheres no esporte. Quando recebi o convite de ter uma coluna, não pensei duas vezes, assim gostaria de começar fazendo uma pergunta: será que está passando da hora de ter um olhar mais especial quando assunto for talento, patrocínios, igualdade salarial, apoio desde o início da carreira? Aqui não iremos fazer “mimimi”, mas mostrar que, ao ter competência, é preciso ter respeito e reconhecimento.
Vamos começar a história no estilo roteiro de cinema. No enredo, uma menina buscando o protagonismo na ginástica brasileira. Antes de sonhar fazendo “saltos mortais” no tablado, ela tinha nada mais nada menos, Daiane dos Santos como espelho (que referência!), mas, até chegar ao topo, situações que poderiam desconectar com essa realidade: ser ginasta reconhecida.
O primeiro “olhar especial” veio da tia que levou a pequena Rebeca Andrade ao Projeto Iniciação Esportiva de Guarulhos, com treinamentos no ginásio municipal Bonifácio Cardoso, na Grande São Paulo.
Dona Rosa, a mãe, uma empregada doméstica apreensiva, iria “alimentar” um sonho que não sabia se daria certo.
Você que estivesse acompanhando este filme no cinema poderia pensar: “mais uma, entre tantas, pra quê continuar escrevendo a história dessa garota?” Dona Rosa, pensou também, mas achou melhor juntar as economias, andar a pé horas e horas para deixar o dinheiro da passagem para que a jovem pudesse iniciar um sonho.
O irmão mais velho, empenhado na história, conseguiu uma bicicleta alugada para levar Rebeca aos treinos. Aí você deve estar pensando: 'isso não cola, já tá muito forçado'. Ainda digo: ela é a mais nova entre seis irmãos. O nosso filme está apenas começando.
Aos nove anos, ela recebeu um convite (lembra do “olhar” especial no início da história?) de morar fora para treinar com mais estrutura e recursos. Dona Rosa apreensiva...deixou!
Treinos, ligações, saudade da família, uma infância e a responsabilidade. Dentro desse cenário, entram os vilões da história: as lesões. Três cirurgias para recompor o ligamento cruzado do joelho, cada uma delas com recuperações de seis a nove meses. Você leitor que está assistindo ao filme deve ter pensado: já era!
Olimpíadas um sonho. Mas, a jovem Rebeca não estava 100% recuperada. No meio de uma recuperação uma pandemia que abalou o mundo e no esporte, a incerteza do retorno, já na Rebeca, a confiança.
Chegou o momento. 2021 era o ano! Uma menina de 22 anos, sem tanto reconhecimento acumulou 57.298 pontos na soma de salto, barras assimétricas, trave e solo. E mais: ficou atrás apenas de uma americana chamada Sunisa Lee, com 57.433, e à frente de uma russa, Angelina Melnikova (57.199).
O espectador sentado na última cadeira do cinema perguntou: Isso pode? Com histórico de lesões?
E alguém imaginaria que essa moça, com histórico de tantas contusões iria entrar para história da ginástica brasileira? É preciso assistir ao filme até o final. No meio do enredo uma das atletas, a considerada melhor da modalidade, Simone Biles, desiste. Os cuidados com a saúde mental falaram mais alto. Um susto! Pareceu algo inacreditável, todos os holofotes para a estrela que sofria com fantasmas mentais, enquanto devagarinho o “Baile de Favela” pedia espaço.
E a favela venceu! O funk, um dos estilos mais escutados do Brasil, ganhou força mundo afora, com uma mulher pobre, negra. Com a melhor e mais vitoriosa campanha da ginástica artística brasileira em Olimpíadas.
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E o futuro? Além do Mundial, a psicologia está nos planos (pela conversa com a Rebeca dá para perceber que ela tem jeito) e a música. Afinada a gente sabe que ela também é!
É, meus amigos, existem roteiros que não precisam de mediação de grandes estúdios para veicular uma história vitoriosa. E ainda tem gente que não acredita em final feliz.