Dia desses, acordei antes do sol, sem querer. E decidi esperar os primeiros raios antes de voltar a dormir. Nem voltei. Apressados, meus olhos saltaram janela afora, acompanhados da acelerada rotação (e mutação) dos meus pensamentos. Já não estava mais ali, aqui. Não sei bem. Vi-me rodeada de devaneios, pensamentos e questões sobre um certo ‘manual de vida’. Exclamações e interrogações confundiram-se no nó que são as minhas narrativas. Minhas, só?
Foi então que pendurei, ainda cedo, um vaso de plantas na janela do meu quarto com o intuito de fazer as folhas, já meio ressecadas, sentirem, assim como minha pele, o paradoxo que é o amanhecer: um espaço no meio de um tempo. Ou seria o contrário? Um tempo no meio do espaço. Uma mistura de nós mesmos com a nossa casa-mãe habitada pela coletividade das nossas inquietações. Nosso universo.
Desconcentrei-me de mim, do universo, da planta ressecada, da janela que dá pra varanda, quando ouvi o sino da igreja (Aquela não era uma hora imprópria? Não sei qual o domínio do tempo dos outros). Neste tempo, estou dispersa. Minha identidade agora é o reflexo daquilo que só se transforma a cada dia mais. Será que é talvez por causa desses devaneios demasiados que nós tanto tenhamos a necessidade de um ‘manual’ para nos ensinar a viver? Viver o quê?
Durante a infância, um dos maiores dilemas da rotina era a difícil tarefa de obedecer às ordens, já que que todo-mundo-manda-na-gente: os pais, avós, professores, irmãos mais velhos. É uma sensação de eterna obediência. Ou não… Um cansaço aquela lista de regras, normas, orientações pra experimentar nossas aventuras, nossas próprias liberdades.
Agora, vivemos aos avessos, um inverso. Espaço de quem? De quando? Parece que precisamos seguir receitas, procurando a quem dever obediências. Estamos sempre numa eterna troca de regrinhas de vida, de histórias, compartilhando orientações entre irmãos, amigos e amores pra tentar sobreviver à tarefa de agora: sermos nós mesmos. Sem reticências…
Ainda da janela do quarto, raios de sol já se fazendo calor na pele, penso o quanto a história por mim vivida parece agora apenas um pedaço, fragmento incomparável, indecifrável daquilo que nem sei contar. Então, conto os passos como se não houvesse relógio, e o tempo fosse marcado por meio dessas idas e vindas sem nem ao menos precisar sair do lugar.
Já não sei onde estou porque também decidi não mais demarcar espaços. Aonde eu for, esse será meu pouso, ainda que por instantes ou eternidades. A inconstância de sentimentos e sensações que (sim, ainda) pulsam diante da latência dos nossos dias apenas nos faz acreditar que a vida é uma travessia de rotas tão desiguais que ‘manual de vida’ nenhum daria conta das nossas próprias contas, afinal, cada janela de nós carrega, entre luz e sombra, seu tanto de paisagem.