Noite passada, eu tentava encontrar-me quando presenciei uma despedida. Anos e anos de convívio. Duas pessoas, muitos mundos. Histórias inteiras de vida, amor, e dor, certamente. Olharam-se pela última vez por entre o véu de águas dos seus olhos. Despedaçavam-se porque estavam indo ser felizes, cada um de um lado.
Estavam indo embora um do outro porque nem sempre é possível dividir ao meio apenas uma felicidade. Seguiam porque queriam encontrar-se. Cada um consigo. Em acordo, saíram em paz. Seus silêncios deixavam bem claro: era preciso partir. Então, contavam tempo. Não havia mais espaços para desperdícios de si.
Quando, finalmente, partiram, me dei conta: todos os dias eu faço uma viagem. Venço fronteiras e percorro paisagens libertas entre uma brecha e outra. Desapareço. Encontro minhas pedras. Atravesso destinos. Esqueço castelos. Silêncio. Eu também estou indo embora...
Descobri o adeus nas páginas dos romances escritos entre os séculos XIX e XX que eu lia enquanto criança ainda. Novelas da minha própria história. Tempos depois chorei as despedidas da alma quando, adolescente, as batidas do peito sentiram algumas formas de dizer “adeus”.
Segui. Fiz-me despedida quando troquei de casa, bairro, escola. Cidade. Um mundo inteiro a deixar. Outros tantos... Fiz tantas bagagens nessa vida que ficar tornou-se apelo. Mas eu sempre fui. De algumas viagens eu ainda volto.
Das travessias mais intensas, porém, não se tem retorno. A gente segue, parte e, algumas vezes, nunca mais volta (a/o mesma/o). Então a gente realmente vai, e em muitos destinos deixa partes de si.
A gente parte porque é preciso reencontrar-se, nessa vida (ou de outras vidas?). Seguimos porque nos interessa justamente ficar. Paradoxo. Ir para permanecer é alívio, é abrir as portas do espírito e deixar partir o que não mais nos cabe, no corpo, na vida.
Porque viver é encontrar-se. Sacrifício é prender-se a lugares, pessoas, sentimentos ou ilusões. Eu não posso permanecer. Há sentidos em cada ida vindas a mim. Solidão é o desafio do percurso e as nossas amarras são os verdadeiros tropeços dessa viagem. A gente avança e se faz livre. Equilíbrios. Porque partir é também poder ficar em nós mesmas/os.