Cartas de quarentena: aos estudantes e suas saudades

Se hoje vocês vivem a espera pela essência do aprendizado tudo o mais faz sentido

Prezados,

Assim como vocês, eu também estou fora da escola. Da última vez que assisti a uma aula de colégio, ela se chamava saudade. Era o último dia do último ano do ensino médio e as tantas expectativas sobre o porvir se confundiam com a montanha de sentimentos a rodopiarem dentro de mim, de outros. Choro e riso pareciam estar frouxos aqui dentro e até hoje eu escuto os barulhos da despedida. Estrondeantes!

Naquele dia, duvidei da musa Eller, quando cantei pra uma arquibancada gigante, lotada de corações afoitos e aflitos, que “o pra sempre sempre acaba”. É que no fundo, quem sabe, naquela época, eu ainda fosse “uma garotinha... esperando”. Não era só canção. Eram “gritos de alerta”. “Sintomas de saudades”. Não era mentira, as estações mudaram várias vezes, de tempo, de destinos.

Já são 20 anos da mesma saudade. Uma expressão de ausência que começou a se desenhar quando eu ainda fazia o extinto jardim. É dali que saem as minhas primeiras lembranças vivas da escola. As belas surpresas que só a experiência social da sala de aula pode dar a uma criança. Era um festival de desenhos e danças e abraços e lanche fora de hora. De emoções e descobertas. As recordações grudam na memória, como se fossem as cicatrizes da saudade.

Entre o Jardim da Infância e aquela Aula da Saudade do 3º ano do ensino médio, eu vivi infinitos mundos. Aprendi a escrever, a ler, somar. Eu também fiquei entediada, senti medo e raiva das pessoas. Aprendi a me refazer desde pequena. Peguei dezenas de ônibus e banhos de chuva pra chegar na sala. E criei laços entre amigos e amores. Me despedi de tanta gente... acumulei pontos, estrelas e histórias. Mas nunca esqueci o tamanho do vazio que é deixar a escola.

Por isso, eu sei o que é estar longe. Mas todo cenário muda, "tudo é transitório" - nos alertou Rachel de Queiroz. Então, paro e recordo o quão forte é a sensação de estar de volta. Chegar devagar, antes da hora da primeira aula. Fuçar a cantina, a biblioteca, o inenarrável ginásio de esportes onde tanto fui feliz. Os amigos. As paixões proibidas. Os professores que amei. Os cadernos que gastei de tantas contas que errei. As redações de histórias improváveis. Impossíveis.

Se hoje vocês vivem a espera pela essência do aprendizado - assim como do reencontro com os colegas, amigos e amores - tudo o mais faz sentido. Se enfrentam ainda ausência física dos professores, os mestres que tanto têm atravessado as vossas saudades através das telas, eu vos digo: também já vivi dezenas desses desencontros, que me levaram a salas, escolas, bairros, cidades distantes. E a educação me salvou, assim como a memória do meu coração. Por muito! Porque onde não há amor, também não há demora de saudade.