Sobras de borrachas de fábrica de calçados viram santos inquebráveis em Canindé, no Ceará

A matéria-prima que seria descartada é reutilizada, além de manter empregos durante a baixa produção de sapatos

Legenda: Fábrica reaproveita restos de borracha para produzir santos
Foto: Fabiane de Paula /SVM

Na terra movida pela devoção a São Francisco das Chagas, Canindé, as sobras de borracha de uma fábrica de calçados se transformam em imagens do santo. O objetivo é evitar o descarte do material para o meio ambiente e manter parte dos 700 empregos diretos do parque fabril da Rubberloss, durante a baixa produção de sapatos.

Segundo o diretor da empresa, Rafael Loss, ainda não é possível quantificar o excedente de Poliuretano Termoplástico (TPU) necessário para produzir cada escultura.

Veja também

“Esse é o material injetado para fazer o salto dos calçados. Na máquina, tem uma quantidade de TPU girando para sair na ponta. Ao concluir, fica um pouco no equipamento, o que chamamos de expurgo. Quando limpamos, o retiramos e agora destinamos para fazer os santos”, explicou.

Santos coloridos
Legenda: As imagens são pintadas por artesãos que trabalham na fábrica de calçados
Foto: Divulgação

Até 2007, as sobras dessa matéria-prima estavam sendo guardadas porque a empresa não havia encontrado uma solução para reutilizá-la, até surgir a ideia de fabricar as imagens sacras. 

“O objetivo é não gerar impacto ambiental [negativo] com algo que não tem utilidade para nós e preservar os empregos. Quando há pouca produção, fazemos os santos”, completou, frisando não ser a principal atividade da companhia. 

As imagens são vendidas durante as romarias pelo preço simbólico de cerca de R$ 10 somente para o custo do processo de fabricação, segundo Rafael. A empresa também diz adotar outras práticas de ESG (relacionadas ao meio ambiente, governança e sociedade dentro das empresas).

Entre elas, afirmou o diretor, a compra de energia no mercado livre, energização da caldeira para a produção de solados de borracha por meio de madeira de reflorestamento para eliminar o consumo energia elétrica, além da fabricação de produtos biodegradáveis a partir da utilização de borracha naturais, resinas à base de cana-de-açúcar e casca de arroz. 

A parte que cabe às empresas, governos e sociedade

Segundo o relatório “Fechando a torneira: como o mundo pode acabar com a poluição plástica e criar uma economia circular”, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a poluição por esse tipo de material pode ser reduzida em 80% até 2040 se os países e as empresas fizerem mudanças profundas nas políticas e no mercado

Para a doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UnB e professora do Departamento de Estudos Interdisciplinares da Universidade Federal do Ceará (UFC), Suely Chacon, essa pauta envolve a própria vida e deve ser considerada a partir das características territoriais, englobando questões ambientais, sociais, econômicas, políticas e institucionais.

“Um território pode necessitar de ações mais contundentes em uma dessas dimensões, mas todas devem ser consideradas conjuntamente. Para termos sucesso na promoção do desenvolvimento sustentável, devemos perceber o que deve ser feito para cuidar da natureza em conjunto com o cuidado das pessoas e com a mudança na gestão privada e nas políticas públicas”, destaca. 

A professora lembra que essa é a principal demanda da Governança Global, com fortes repercussões em todos os países. “A agenda 2030, que propõe o alcance de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), é hoje o principal instrumento que sinaliza as ações necessárias para o alcance de uma melhor condição de vida”, observa.

“Nesse contexto, fica claro que é preciso agir. Essa ação passa pela compreensão sobre como coordenar comportamentos coletivos que garantam mudanças reais na sociedade”, avalia.

“Individualmente, podemos agir, mudando nossos hábitos, mas somente a mudança social poderá garantir a transformação das condições de vida na terra, considerando a atual emergência climática e as profundas desigualdades que marcam nosso tempo”, completa. 
Suely Chacon
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela UnB e professora do Departamento de Estudos Interdisciplinares da UFC

Entenda melhor a temática 4 pontos que você precisa saber

Veja as mudanças necessárias no mercado, conforme o relatório da PNUMA:

  1. Para atingir essa meta, o estudo sugere a eliminação de plásticos problemáticos e desnecessários para reduzir o tamanho do problema. Depois, são feitas três mudanças no mercado: reutilizar, reciclar e reorientar e diversificar os produtos. Veja como colocar os três planos em prática, segundo o estudo:
  2. Reuso: criar opções de reuso, incluindo garrafas reabastecíveis, dispensadores a granel e esquemas de caução de devolução de embalagens pode reduzir em 30% a poluição por plástico até 2040. Os governos devem ajudar a criar modelos comerciais mais sólidos para os reutilizáveis;
  3. Reciclar: reduzir a poluição plástica em mais 20% até 2040 será possível se a reciclagem for um empreendimento mais estável e lucrativo. A remoção dos subsídios aos combustíveis fósseis, a aplicação de diretrizes de design para melhorar a reciclagem e outras medidas podem aumentar a parcela de plásticos economicamente recicláveis de 21% para 50%; 
  4. Reorientar e diversificar: a substituição cuidadosa de produtos, como embalagens plásticas, sachês e embalagens para viagem, por produtos feitos de materiais alternativos (como papel ou materiais compostáveis) pode proporcionar uma redução adicional de 17% na poluição plástica.

 

Colaborou Paloma Vargas 



Assuntos Relacionados