Será o fim do parcelamento sem juros no cartão?

Legenda: O total de crédito concedido pelas instituições financeiras por meio de cartões chega a R$ 513 bilhões
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Acompanhando as tendências de mercado financeiro, uma das notícias que vem tomando forma neste ano de 2023, é a de que “o parcelamento sem juros no cartão de crédito vai acabar.” Então, nossa primeira reação é de desespero, não entendimento, sensação de estar perdido e só vem a pergunta: “como assim?”

O interessante é que esta modalidade de parcelamento sem juros pelo cartão de crédito já possui seu lugar cativo em nossas vidas e como alguém pode ter coragem e tirar isso de nós? Parece hilário, mas é isso mesmo. Vamos entender melhor.

Alguns dados interessantes são que 60% de todas as compras no Brasil são feitas com cartão de crédito. Dessa quantia, 45% são parceladas sem juros. O total de crédito concedido pelas instituições financeiras por meio de cartões chega a R$ 513 bilhões. Esse movimento foi impulsionado pelo mercado: existem 430 milhões de cartões de crédito no país, o que equivale a dois cartões para cada brasileiro, ou quatro para cada pessoa economicamente ativa.

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Mas que discussão é essa que toma conta da mídia?

Hoje, o Brasil tem cerca de 71 milhões de pessoas com contas em atraso, e um terço destas contas são no cartão de crédito. Tendo os maiores juros de mercado, cerca de 15,2% ao mês ou mais de 400% ao ano, o cartão de crédito acaba por inviabilizar qualquer tentativa de equilíbrio financeiro de uma pessoa endividada.

Já na mira do Governo, o Congresso aprovou uma lei que obriga instituições financeiras a propor uma solução para as altas taxas de juros de quem atrasa o pagamento de uma parte da fatura. A negociação será intermediada pelo Banco Central e, depois, precisa passar pelo Conselho Monetário Nacional, composto pelos ministérios da Fazenda, Planejamento e pelo próprio BC. Sem acordo, passará a valer um teto de juros de 100% da dívida – hoje a média das taxas está em 445%.

Os bancos foram os responsáveis por iniciar esse movimento. Ao longo dos anos, eles têm atribuído as altas taxas do crédito rotativo à existência do parcelamento sem juros. O cerne do problema é o seguinte: o banco determina o limite de crédito do cliente e se compromete a pagar ao estabelecimento comercial, mesmo em caso

de inadimplência na fatura. No entanto, o banco não é remunerado por esse crédito que ofereceu. As instituições financeiras afirmam que os juros do crédito rotativo são elevados porque precisam compensar um uso do cartão que não gera receitas e traz risco de inadimplência, configurando assim um subsídio cruzado. Mas o interessante é que os próprios bancos criaram este mecanismo de parcelamento.

Há mais de 30 anos atrás, antes do Plano Real, quem mandava no comércio era o cheque, lembram? E, criamos, o cheque pre datado, que, apesar de não existir de fato, pois cheque é uma autorização de pagamento a vista, usávamos com datas futuras para desconto específico. Surgia, então, o parcelamento sem juros no cheque pre datado. Depois algumas instituições financeiras começaram a compras cheques pre datadas e antecipar os recursos para o lojista ou concedente da venda.

Na virada dos anos 90, começou-se a investir no cartão de crédito.

O concorrente não era o dinheiro, mas sim o cheque. E aí não tinha jeito: para convencer consumidores e lojistas a aceitar o cartão, era preciso fazer tudo aquilo que o cheque já fazia – e mais um pouco.

Foi nesse contexto que os bancos brasileiros criaram o parcelamento sem juros no cartão - algo que hoje eles mesmos reconhecem como uma distorção no mercado. Para o comerciante, era ainda melhor, pois ele não precisaria mais se preocupar com a inadimplência, já que o banco cuidaria de tudo. Havia um custo, e parte dele era invisível.

A indústria de cartões é composta por três pilares: as bandeiras (Visa, Mastercard, Amex, Elo), as maquininhas (Rede, Cielo, Getnet, PagSeguro) e os emissores de cartões (bancos e fintechs).

Os emissores têm a responsabilidade de conceder crédito ao cliente, avaliando sua capacidade de pagamento e determinando o limite de gastos de cada pessoa. As maquininhas atuam como o ponto de contato entre o comerciante e o banco, ou seja, são responsáveis por processar cada compra e garantir que o pagamento seja efetuado. Já as bandeiras conectam todos os envolvidos para que a transação ocorra.

A luta para redução dos juros é antiga. Em 2017, o Banco Central decidiu que nenhum cliente poderia ficar mais de um mês no rotativo. Depois desse período, o banco é obrigado a parcelar a fatura do cliente, cobrando uma taxa mais baixa. Quando essas regras foram criadas, os juros do rotativo estavam em 480% ao ano, enquanto os de

parcelamento eram de 163% (8,4% ao mês). Atualmente, o parcelamento de fatura custa 195% ao ano (9,4% mensais) de acordo com o Banco Central.

O surgimento dos bancos digitais, sem anuidade, trouxe explosão nos cartões de crédito. No fim de 2018 existiam 184 milhões de cartões de crédito no país. Quatro anos depois, são 430 milhões, um crescimento de 134%.

Segundo dados do Banco Central, em 2019, de todos os cartões em circulação, 50 milhões haviam sido emitidos por grandes bancos, ante 8 milhões de fintechs. Três anos depois, as fintechs eram responsáveis por 36 milhões dos cartões em circulação, enquanto os bancos detêm 57 milhões. Em termos percentuais, os grandes bancos avançaram 14%, enquanto as fintechs dispararam 350%.

Por fim, hoje, os bancos afirmam que, caso tenham que reduzir a taxa de juros do rotativo, não podem mais realizar parcelamento sem juros, ou deverão limitá-los em até 4 parcelas, por exemplo. Pois se os juros reduzem, o risco do banco aumenta, segundo eles.

Enfim, tudo isso ainda vai gerar muita discussão antes de qualquer solução, mas vale a pena acompanhar de perto.

Pensem nisso! Até a próxima.

Ana Alves
@anima.consult
Economista, Consultora, Professora e Palestrante

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.