Em tempos pandêmicos e cidades em lockdown, é difícil falar em movimento. Todavia, se este é um período de ruptura para nossa sociedade, por que não revisar e até redefinir nossas relações no trânsito? Seria uma grande conquista para o pós-pandemia.
O pedestre, o ciclista, o motorista, o motociclista não são condições fixas; são estados múltiplos, transitórios no ir e vir da metrópole. Ao caminhar, ao pedalar ou ao dirigir, nossa percepção capta quadros em velocidades distintas; nossos olhos tendem a câmeras com maior ou menor capacidade de definição. Assim, podemos aproveitar, de diferentes formas, a paisagem, o tempo e os lugares na cidade.
O motorista é muito provavelmente o que capta maior número de quadros por segundo. Porém, a direção do olhar não o permite enxergar, pensar e sentir para além das regras do trânsito, do fluxo, do engarrafamento e do seu caminho. Coitado do motorista. É condenado a perder as nuances da cidade, das esquinas cruzadas e das pessoas que passam.
O motorista conhece muitos itinerários, mas pensa que a velocidade é sua maior amiga. Talvez, por isso rivalize com os pedestres e com os ciclistas, instituindo-os enquanto concorrentes e empecilhos ao movimento contínuo.
Nos mesmos caminhos, os homens e mulheres de capacete e seus veículos de duas rodas pintam as ruas e avenidas e, às vezes, até as calçadas. Esses são resultado da necessidade e da oportunidade. O motociclista é a síntese de que não há tempo a perder. Por sua vez, o uso da motocicleta é uma oportunidade de se oferecer ao mundo do trabalho. A estes quiçá esteja delegada a alienação da paisagem urbana. O interesse está em circular, e em ligar o ponto A ao ponto B, ao ponto C, ao infinito. É questão de sobrevivência e, por vezes, de morte.
Façamos um elogio. De uns anos pra cá, os pensadores da cidade tem acolhido os ciclistas em seus planos de mobilidade. As ciclofaixas e ciclovias são registradas em quilômetros de extensão nas metrópoles. Os caminhos das bicicletas e as normas são a esperança para mediar os usos de pedestres e de veículos. Percebemos o momento de aprendizagem, mas regado a conflitos, principalmente, no desrespeito às ciclovias, às ciclofaixas e às faixas de pedestre.
Por fim, cabe reeditar os argumentos sobre a presença do pedestre na cidade. De uma maneira ou de outra, todos somos pedestres.
Para aqueles que pensam uma cidade diferente, mais pedestres na rua significa melhores e mais agradáveis cidades. A condição de pedestre é o grande parâmetro.
Não se deve esquecer das demais condições. É exatamente o contrário. Para os que se movem, o ideal seria pensar como um pedestre e desejar tornar-se pedestre. Não porque o pedestre é o mais frágil na concorrência urbana, mas porque a condição de pedestre é inevitável.
Sim! Ciclistas, pedestres, motoristas e motociclistas vão errando e aprendendo a respeitar as preferências, as proibições e as gentilezas (esperamos!). É necessário compartilhar os caminhos da/na cidade e construir, quem sabe, uma mobilidade urbana mais efetiva e afetiva!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.