Acordei cedo. O rádio estava ligado e transmitia a canção interpretada pelo grupo musical Ira. Os versos iniciais diziam: “... Pela janela, Vejo Fumaça, Vejo Pessoas, Na rua, os carros...”. Levantei-me. Da janela, do vigésimo andar, observei a parcela da cidade que a mim era permitido captar. Senti! Senti o desejo de pensar sobre aquela paisagem.
Em dois de seus livros, O direito à cidade e A Revolução Urbana, o filósofo francês Henri Lefevbre defendeu a cidade como obra-prima do processo de humanização. A cidade é uma potência, é um vir a ser! Sua paisagem se revela em formas, em movimentos, em cheiros e em símbolos. De certo ponto de observação, é perceptível reconhecer a simultaneidade do acontecer. Milhares de itinerários se cruzam - ou não! - e dão vida aos artefatos de pedra, cal e concreto.
Nas ruas, canais abertos ao espontâneo e ao controle; há vazio e há movimento. O conflito surge, é uma das essências da cidade, do seu espaço e dos que nela vivem. A ordem imposta pelas normas marca os ângulos das quadras, o tamanho dos lotes, o gabarito das edificações e o tempo do semáforo. Porém, a vida urbana é pura inventividade.
Constantemente, quebram-se os padrões, seja por esperteza ou por pura sobrevivência. Mas para muitos, isso pouco significa, pois estão entre os que se movem, fechados em seus veículos, e nos seus mundos, tentando manter a indiferença.
A paisagem da cidade também é estereótipo, ou seja, todas as informações e (pré)conceitos capazes de criar imagens, miragens, “falsas” imagens. Geralmente, as (pré)imagens urbanas são usadas pra dividir. E da janela, aponta-se o lugar dos pobres e dos ricos, da beleza e da feiura, da tranquilidade e do medo.
Assim é a cidade: um caleidoscópio social, um produto histórico e arena primeira das relações políticas.
A diferença na cidade é fantástica, mas a desigualdade é sua decadência. Os sons da paisagem alertam. Lá em baixo, na rua, ouve-se os gritos. É um homem. Parece despreparado. Pede a compaixão dos que observam das janelas. Precisa de ajuda para manter a saúde de sua filha. Ele se cala, alguns ajudam e a cidade passa.
Das formas ao cotidiano urbano-metropolitano, há muito mais a discutir. Se nessa ocasião olhamos pela janela, não nos faltarão oportunidade para escrever acerca do futuro, do passado e do presente da urbanização em Fortaleza, no Ceará e alhures. Para o momento, continuemos espiando pela janela.